TEXTOS


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ENCONTRO DE EDUCAÇÃO 39º NÚCLEO CPERS SINDICATO-OUTUBRO 2013

ENSINO MÉDIO QUE QUEREMOS

É necessário pensar a escola pública como um todo e nesta direção construir propostas para o ensino básico. Nos últimos anos temos visto POLÍTICAS DE GOVERNO e não POLÌTICAS DE ESTADO para a educação.
A tarefa dos educadores é enfrentar as tentativas de desmantelamento da escola pública. Transformar nossa prática para dar significado ao que se trabalha na escola.
A ESCOLA QUE EXISTE HOJE TEM ALGUM SIGNIFICADO PARA OS TRABALHADORES?
COMO É O CURRÍCULO? A QUEM SERVE?
Estes questionamentos devem embasar nossas ações na escola e com autonomia colocarmo-nos em movimento, com debates sobre que escola que queremos. Repensar o processo  pedagógico da escola, a reorganização do currículo, da carga horária das disciplinas  equalizando a quantidade de aulas, repensando a formação continuada do professor, suas interações e interferências no processo de aprendizagem.
Ação e reflexão devem ser recorrentes no contexto da escola e a busca profissional para estabelecer elos que possam frutificar as ações, partindo do conhecimento do aluno, na reflexão da prática do cotidiano do professor e na busca de apoio na rede de atendimento á criança e adolescente.
                Este processo deve ser uma constante, refazendo nossa prática e no debate coletivo, vão se estabelecendo e construindo elos que se fortificam.
Neste sentido o currículo da escola vai se alterando na medida que ocorrem as trocas entre professores/funcionários/alunos/pais /formação continuada, aprofundando e significando os conhecimentos.
A escola que queremos contempla:
-equipamentos em laboratórios, materiais pedagógicos suficientes para atender o número de alunos matriculados.
- estrutura física adequada
-profissionalização do professor (máximo da CH em uma escola)para construir a proposta pedagógica vinculada a realidade da escola
-integral, laica e de qualidade
-construção coletiva e democrática
-com interdisplinaridade de fato
-com construção coletiva de alternativas para fazer com que os alunos sintam-se valorizados e envolvidos nas atividades pedagógicas,  facilitando o ensino e a aprendizagem
-com respeito ás disciplinas com metodologias científicas próprias
-que entende que o conhecimento humano é patrimônio histórico da humanidade
-popular e voltada aos interesses dos trabalhadores
- Que constrói a co-responsabilidade entre alunos, pais, professores e funcionários para o processo de aprendizagem ter sucesso.
Para concretizar este debate é necessário organizarmos Grupos de Trabalho nas escolas para conduzir o processo de forma democráticas



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COLÉGIO ESTADUAL CÔNEGO PAULO DE NADAL

MARCO DOUTRINAL

Profª Katiana Pinto dos Santos

Diante da realidade descrita no Marco Situacional, desejamos uma escola pública que problematize e instrumentalize os estudantes para transformação da sociedade, e nessa perspectiva queremos um Colégio que tenha como objetivo:
·        Lutar para construção de uma sociedade socialista, democrática, com justiça social, solidária, inclusiva, com oportunidade igual para todos, sem corrupção, que respeite a diversidade cultural, étnica, sexual e religiosa, que valorize a educação como direito, segura sem violência e sem drogas;
·        Buscar construir uma sociedade onde sejam respeitados os direitos à educação, saúde, moradia, transporte, meio ambiente, trabalho, alimentação, informação, cultura e lazer;
·        Assumir a concepção histórico crítica como orientadora do trabalho pedagógico do colégio;
·        Democratizar a escola oportunizando que todos os segmentos (alunos, professores, funcionários, pais ou responsáveis) participem das decisões, vivencie relações fraternas, respeitosas e sem preconceito.
·         Empreender esforços para manter os Recursos Humanos na escola para que todos os setores da escola estejam em pleno funcionamento;
·        Proporcionar a formação e atualização permanente dos profissionais da educação, facilitando que todos participem de cursos, seminários, fórum, palestras;
·        Buscar junto à mantenedora, obras de acessibilidade e de melhoria na infraestrutura da escola, bem como aumento das verbas escolares;
·        Oportunizar realização de cursos, palestras, oficinas de música, dança, teatro, atividades esportivas e festividades na escola;
·        Lutar por valorização profissional para os professores e funcionários, defesa dos direitos e por uma remuneração digna;
·        Buscar uma escola moderna que seja equipada com os avanços tecnológicos da sociedade, com laboratórios adequados às normas técnicas, com salas de aula organizadas em salas ambientes nos diferentes componentes curriculares, confortáveis e climatizadas;
·        Que tenha um ginásio de esportes e uma excelente área esportiva para o exercício das diferentes modalidades de esportes;
·        Que cada aluno tenha notebook ou tablet com acesso internet para melhor capitação com as novas tecnologias, que sejam mais utilizados nas aulas jogos, filmes, e outros materiais pedagógicos que estimule a criatividade nos alunos;
·        Ser uma escola inclusiva e integradora vista como um espaço privilegiado do coletivo da escola, de reflexão crítica, atenta e receptiva à diversidade, consciente de suas funções sociopolíticas e pedagógicas, contemplando os valores democráticos, estimulando o exercício da criticidade;
·        Oportunizar o atendimento à classe especial de deficientes múltiplos, bem como a inclusão dos alunos com necessidades especiais possibilitando aos mesmos a permanência nas classes regulares do nosso Colégio;
·        Que a escola oportunize visitas ao teatro, passeios culturais em museus, exposição de arte, feira do livro e em concerto musical;
·        Ofertar atividades extracurriculares como aulas de reforço escolar, música, teatro, dança, práticas esportivas diversificadas;
·        Lutar que o transporte escolar seja gratuito para todos os alunos facilitando o acesso e permanência dos alunos na escola;
·        Que a escola pública seja um espaço sem preconceitos, de convivência saudável entre todos da escola livre da violência, drogas, um espaço seguro, feliz que oportunize motivação para apreender;
·        Que o conhecimento seja complexo e que os alunos aprendam com clareza o conteúdo de ensino;
·         Formadora de pessoas solidárias, conscientes de seus direitos e deveres, críticos, participativos, transformadores, que busquem atualização de seus conhecimentos dando prosseguimento aos estudos no sentido qualificação profissional e para vida; 




COLÉGIO ESTADUAL CÔNEGO PAULO DE NADAL

MARCO OPERATIVO

          Atuação do Colégio para enfrentar a problemática social, que ameaça o trabalho escolar, se desenvolverá através da promoção de debates, congresso, seminários, palestras, nas aulas, nos colegiados (Grêmio Estudantil, Conselho Escolar e CPM), nas reuniões pedagógicas envolvendo todos os segmentos do colégio, com a intenção de contribuir na construção de uma consciência crítica e atuante da comunidade escolar.
          É necessário construir a unidade do trabalho pedagógico para continuar mobilizando esforços para que todos participem das mobilizações e lutas em defesa da educação pública de qualidade, debatendo a necessidade do trabalho coletivo nesses enfrentamentos.
          Nesse intento optamos em fundamentar nossa prática educativa na concepção histórico critica. Esta concepção de educação empenha-se em colocar a educação a serviço da transformação da sociedade.
A Pedagogia Histórico Crítica se traduz na sala de aula no processo dialético de elaboração do conhecimento científico, prática – teoria – prática, a partir do confronto dos saberes empírico trazidos pelos alunos com o saberes historicamente construídos pela humanidade mediados pelo professor, na perspectiva da apropriação de uma concepção científico/filosófica da realidade social, com a finalidade de problematizar e desnudar os entraves da prática social, instrumentalizando os estudantes das classes populares para atuarem conscientes nas lutas no sentido da transformação da sociedade de classe.
Neste contexto, a presença do professor é fundamental, é o profissional que orienta o processo pedagógico, interfere e cria condições necessárias à apropriação do conhecimento, pautado pela honestidade, ética, respeito e solidariedade, e que promova intencionalmente o desenvolvimento integral dos alunos enquanto especificidade da relação pedagógica em consonância com o projeto político pedagógico da escola.




COLÉGIO ESTADUAL CÔNEGO PAULO DE NADAL
MARCO SITUACIONAL

A situação mundial caracteriza-se por uma profunda crise nas economias dos países, se intensifica o endividamento público, o desemprego, a fuga de capitais, a queda ou baixo crescimento do PIB, a escassez de crédito, descontentamento popular com as medidas de redução de gastos adotadas pelos governos como forma de conter a crise, como a reforma da previdência – que aumenta o tempo de aposentadoria, redução e congelamento de salários, redução de férias, demissões e redução de investimentos nos serviços públicos (saúde, educação, transporte, saneamento básico e outros). Aprofunda-se a concentração de renda, aumentando a miséria, a exclusão social, a violência urbana e a corrupção.
Os banqueiros, grandes empresários e especuladores que controlam o capital mundial, e as novas tecnologias não hesitam em drenar recursos públicos para salvar suas empresas da falência e manter seus lucros intactos e para isso impõem o aumento da exploração aos trabalhadores, e péssimas condições de vida a maioria da população mundial.
A Educação como ferramenta de manipulação ideológica de uma sociedade, faz com que o sistema econômico afete fortemente o sistema educacional. O sistema educacional vigente difunde a fragmentação, a mecanização, o individualismo e o imediatismo dessa sociedade.
As massificações impostas pelos meios de comunicação que estão a serviço das elites atuam como formadoras de opinião e de seres humanos individualistas, competitivos, imediatistas, preconceituosos, e submisso às leis do mercado. O aprofundamento da crise provoca alterações em todos os níveis da sociedade nos padrões de comportamento, perda de valores de referência, restrição dos direitos de cidadania, na cultura e nas relações humanas.
Assim como no mundo, o Brasil se configura como uma sociedade primada pelo antagonismo de classe, e pela elitização a partir de grande concentração de renda nacional nas mãos de poucos em detrimento da qualidade de vida da maioria da população. Nesse contexto a corrupção é crescente no meio político e empresarial, os problemas se agravam como na saúde pública em que muitos são desprovidos de atendimento, falta de moradia, o transporte coletivo é precário, é escasso o investimento em educação, e há uma redução drástica das verbas para as políticas públicas, contribuindo para o aumento do crime organizado através do tráfico de drogas, aumento da violência, faltando segurança para os cidadãos. Todos esses problemas não apresentam perspectivas de solução a curto e médio prazo.
Essa conjuntura afeta diretamente a realidade escolar, refletindo na escola as problemáticas da sociedade vigente. Com isso as funções educacionais se ampliaram, tornando-se mais complexas e desafiadoras ressignificando o papel da escola.
A escola atende crianças, jovens, adolescentes e adultos que vivem as dificuldades do tempo atual. Encontra-se diante de alunos marcados pela desesperança e que não encontram modelos válidos de referência.
A escola enfrenta problemas com a violência e o tráfico de drogas que é crescente no seu entorno, existindo muitos conflitos entre integrantes do crime na comunidade local por disputa de pontos de vendas de drogas. É importante ressaltar que existem familiares dos alunos que dependem economicamente desse setor. Além disso, temos conflitos começados entre alunos fora do espaço escolar, no lugar de moradia desses, que acabam extrapolando no colégio, cabendo muitas vezes à escola a mediação desses conflitos, auxiliando na solução dos mesmos.
A evasão escolar é crescente pelos fatores abordados acima, mas também tem outras causas como falta de transporte escolar, alunos que trabalham em casa cuidando de irmãos, auxiliando em obras, vendas de drogas e outras atividades que contribuem para o aumento da renda familiar, também por desinteresse pelo estudo, por a escola não corresponder às expectativas de alguns alunos, por falta de políticas públicas e também por omissão e negligência familiar.
Os recursos financeiros destinados a educação constitui outro limitador do ato educativo, sendo um problema grave a ser enfrentado. Historicamente sucessivos governos não aplicam o percentual mínimo de 35% que está previsto na Constituição Estadual e 25% na Constituição Federal. Nesse sentido as verbas da autonomia financeira enviadas pela Secretaria de Educação há mais de uma década não sofrem reajustes e são insuficientes para atender as necessidades do colégio. A escola encontra-se em condições precárias e obsoletas em relação aos avanços tecnológicos, ao conforto das salas de aula, a estrutura física do prédio e funcionamento do laboratório e da área esportiva.
Além desses problemas relacionados com poucos investimentos financeiros na educação, temos também o salário dos profissionais que se encontra com uma defasagem histórica, sendo um desencadeador da desmotivação profissional pelo fato dos educadores não terem perspectiva de solução desse problema, já que a Lei do Piso Nacional Profissional não é cumprida desde sua publicação.
Esse contexto social de crise exige que o educador não seja neutro, mas que tenha clareza de que seu ato educativo deva ser comprometido com a transformação da sociedade. Nesse sentido estamos construindo nossa caminhada na concepção histórica crítico, que se baseia na confrontação do saber universal com a realidade concreta, problematizando e instrumentalizando os estudantes para atuação consciente nas lutas pela transformação dessa sociedade.



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A ESCOLA QUE QUEREMOS
Comunicação de Clovis Oliveira no Encontro de Educação
 do 39º Núcleo do CPERS em 31/10/2013

As políticas educacionais dos governos
            Desde que a reeleição do Presidente e dos governadores foi instituída, valendo a partir de 2006, nenhum governador do Rio Grande do Sul foi reeleito, continuando uma tradição existente desde antes da ditadura militar.
            A consequência disto, aquela que nos diz respeito enquanto educadores da escola pública, é que a cada quatro anos tem mudado a política educacional dos governantes no nosso Estado.   
            A relação abaixo sintetiza as propostas principais dos governos para a educação, desde 1987:
> Simon (PMDB): Quadro de pessoal por escola, remanejos de professores e investida contra a carreira do magistério.
> Collares (PDT): Calendário rotativo.
> Britto (PMDB): Investida contra a carreira do magistério e a gestão democrática.
> Olívio Dutra (PT): Imposição autoritária da Constituinte Escolar, sem discussão com os trabalhadores em educação.
> Rigotto (PMDB): Investida contra a carreira do magistério e a gestão democrática.
> Yeda (PSDB): Enturmação, fechamento de escolas, déficit zero com redução das verbas para as escolas, autoritarismo, meritocracia e avaliação externa.
> Tarso Genro (PT): Meritocracia, avaliação externa, reforma do Ensino Médio e autoritarismo...
            A escola pública do Rio Grande do Sul já experimentou de tudo, e não saiu ilesa desta sequência de políticas hostis com a educação.
            Não foi somente a sigla da Secretaria de Educação que mudou, primeiro para S.E. e agora para SEDUC, uma mera superficialidade midiática. A cada governo, as "reformas" deixaram pior a educação no Rio Grande do Sul, determinando um processo contínuo de desmantelamento da escola pública.
            A expressão "Reforma do Ensino Médio" é uma denominação muito pretensiosa para o que vem sendo feito pela SEC, e também enganosa, porque a palavra reforma tem um apelo favorável no senso comum das pessoas.
            Na verdade, trata-se apenas da política educacional do Governo Tarso, que vem sendo aplicada de forma autoritária nas escolas, e que deverá ser posta de lado no final de 2014, com a provável derrota eleitoral que está a espera do governante. Aí vai começar tudo de novo com outro governo.
            E nós educadores, quando teremos um projeto para a escola pública, alternativo aos dos governos?

Adaptação da escola às necessidades do mercado?
            No debate que vem sendo feito no CPERS, tem sido dito que a Reforma do Ensino Médio de Tarso Genro representa uma adaptação da escola pública às necessidades do mercado capitalista.
            Entendemos que esta caracterização não é apropriada para explicar a reforma no Ensino Médio, porque não são as necessidades do mercado capitalista que realmente a motivam, e sim a intenção de diminuir os custos com a escola pública, esta sim uma constante nas políticas educacionais de todos os governos.  
            Em um sentido geral, esta reforma está dentro do processo histórico de desmantelamento da escola pública no Estado e poderia ser entendida com mais propriedade como sendo uma política objetiva de repressão à escola pública.
            A reforma implementada pelo Governo Tarso é uma política educacional que se explica pela tendência da época em que vivemos, onde o capitalismo é predador, e não constrói mais nada, senão destrói o que existe.
            A tarefa dos educadores que lutam em defesa da escola pública é enfrentar esta tendência perversa.

Sobre a situação conjuntural
            A situação da luta de classes no Brasil está mudando a partir das massivas jornadas de luta da juventude, que atingiram seu ponto mais elevado em junho de 2013, e que arrastaram atrás de si parcelas importantes do movimento sindical e popular, fazendo com que o movimento dos trabalhadores retomasse em alguma medida a sua iniciativa na conjuntura nacional.
            A recente luta dos professores estaduais e municipais do Rio de Janeiro, que conseguiu estabelecer um laço profundo de unidade com a população daquela cidade, é um exemplo da influência que as lutas da juventude exerceram sobre o movimento sindical e popular.
            Mas, também é preciso dizer que esta nova etapa que está sendo vivida pelas lutas sindicais e populares, ainda não chegou a se dar de forma contundente no CPERS e na nossa categoria.
            Embora algumas correntes políticas que militam no CPERS, entre as quais o CEDS, tenham participado ativamente das lutas da juventude desde o mês de março, o nosso Sindicato, enquanto tal, esteve fora das lutas da juventude durante os meses de março, abril e maio de 2013 e, principalmente, nas jornadas de junho, quando Porto Alegre conheceu atos públicos de até 30 mil manifestantes.
            Neste período em que as lutas da juventude foram massivas, o CPERS esteve envolvido de uma forma corporativa na luta contra a Reforma do Ensino Médio. A articulação do nosso Sindicato com a luta da juventude começou depois, quando este movimento já apresentava um certo recesso de mobilizações no Rio Grande do Sul e ficou limitado a ações de vanguarda.
            As nossas possibilidades de lutar contra a Reforma do Ensino Médio precisa ser vista dentro dos limites da situação geral. O momento que vivemos não é o melhor para as lutas em defesa da escola pública do Rio Grande do Sul, agravado ainda pelas greves sem resultados, que o CPERS vem fazendo, ou mesmo derrotadas como foi a última, transcorrida de 23 de agosto à 13 de setembro de 2013.
            É preciso ver com honestidade, sem o subterfúgio daquele falso espírito de corpo que mascara a realidade e prepara novas derrotas, que o CPERS vive, e não é de agora, uma crise de mobilização que vem se agravando ano a ano, e que reduziu drasticamente o tamanho das nossas assembleias e a participação da base nas greves.

E o Ensino Fundamental?
            O Ensino Fundamental é outro aspecto que está a exigir do CPERS uma avaliação geral.
            O Governo do Estado apresentou uma reforma parcial, que somente trata do Ensino Médio. Esta reforma fragmenta o Ensino Básico e a escola pública como um todo e, com isto, enfraquece a capacidade de resposta da nossa categoria. O CPERS precisa levar a luta em nome dos interesses de todo o Ensino Básico, porque esta é a  abrangência que ele representa.
           
            Ouve-se falar que o Governo do Estado prepara uma destas suas reformas para o Ensino Fundamental. Mesmo considerando as pequenas possibilidades de uma iniciativa destas prosperar, considerando que o final do governo se aproxima, é preciso que estejamos preparados para fazer esta discussão.
            Os nossos colegas do Ensino Fundamental regra geral não participaram do debate sobre Reforma do Ensino Médio que foi feito pelo CPERS, até mesmo porque não se trata da sua área específica, e esta última não foi alcançada em momento algum pelo debate do Sindicato.
            Mesmo considerando a existência da bandeira do Piso Salarial como eixo de mobilização, os professores e funcionários das escolas do Ensino Fundamental pouco participaram da última greve, fazendo ver que está faltando uma mensagem motivadora capaz de interessá-los mais diretamente no debate da educação.  
            Acreditamos que os professores do Ensino Fundamental também são capazes de discutir o que querem para a escola pública.

            A proposta do governo é a nivelação dos conteúdos por baixo
            A SEC quer uma atitude crítica do educador e o currículo estruturado a partir da realidade vivida pelos alunos mas, contraditoriamente, está reduzindo o alcance da educação pública através da desconstituição das disciplinas, processo que já havia sido iniciado nos governos de Rigotto e Yeda.
            As disciplinas tem métodos científicos próprios, que precisam ser respeitados nas escolas. Professor de uma disciplina está preparado para ser professor desta disciplina. Qualquer outra coisa é improviso e, consequentemente, significa redução da qualidade de ensino.
            Os seminários interdisciplinares são uma proposta correta, que sempre defendemos no CPERS. Se a sua realização fosse a intenção da SEC, bastaria ter orientado as escolas a respeito e acompanhar as suas experiências, deixando-as com autonomia para realizá-los da forma adequada às suas realidades, até mesmo porque já existe alguma experiência acumulada neste sentido. O que não pode acontecer é a interferência excessiva e o atropelo das disciplinas, que foi feito pela SEC.       
            É preciso entender melhor o porquê desta interferência da SEC na autonomia das escolas.
            Desde muito tempo as autoridades educacionais, tanto no Estado como nos municípios, vêm adotando uma política de nivelação por baixo dos conteúdos curriculares e de pressão pela aprovação automática dos alunos.        
            Na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, depois de implantado o sistema de ciclos, em um processo combinado com a aprovação automática baixada como se fosse decreto, o resultado da aprovação automática foi muito ruim. Mesmo depois de atenuadas algumas das características mais prejudiciais deste sistema, a maioria dos alunos das escolas municipais, ainda estão chegando ao final da 9º série com graves deficiências de aprendizagem e, muitas vezes, semi-alfabetizados.
            Não podemos confundir abrir espaço para a aprendizagem do aluno, com a nivelamento por baixo dos currículos escolares, e com a aprovação automática promovida pelas autoridades educacionais.
            O resultado que pretendem os governantes é um currículo mínimo para os pobres na escola pública, e um currículo máximo para os ricos na escola particular, aquela que faz a formação de quadros para o sistema e prepara o ingresso na universidade.


Construir um espaço para os trabalhadores na escola pública
            Entendemos o conhecimento humano como um patrimônio que pertence a toda humanidade, e que vem sendo acumulado historicamente.
            É um direito dos jovens, dos filhos dos trabalhadores, ter acesso integral ao conhecimento. Reduzir o acesso dos jovens ao conhecimento, como dispõe a reforma do Ensino Médio, significa empobrecer a escola pública e perpetuar as desigualdades sociais.  
            O conhecimento humano não é uma manifestação da ideologia burguesa. O que acontece, é que a burguesia se apropria do conhecimento para lhe dar a sua forma ideológica e, com isto, legitimar a sua dominação sobre as outras classes sociais.
            É por isto que discordamos da concepção dogmática de que a escola serve exclusivamente para reproduzir a ideologia burguesa dominante e atender as necessidades do mercado capitalista. Se isto fosse verdade, nada mais teríamos a fazer nas escolas públicas além da luta ideológica contra o capitalismo e do desmascaramento da ideologia burguesa dominante. Estaríamos limitados a fazer a propaganda do socialismo.
            Mesmo considerando o controle real que o estado burguês exerce sobre a escola pública, entendemos que existe nela um espaço importante para a intervenção dos educadores, que pode ser disputado com a burguesia e com o aparelho de estado, de forma a colocar a escola em benefício dos interesses dos trabalhadores e da população pobre. 

Uma perspectiva para a escola pública
            É importante lutar por uma escola pública, democrática, de qualidade e laica, metas ainda por atingir nos dias de hoje, mas isto é apenas um ponto de partida para definir a escola que queremos.
            Defendemos desde muito tempo uma escola popular, voltada para os interesses dos trabalhadores, sem que tenhamos visto, no entanto, pelo menos no período mais recente, avanços concretos nesta perspectiva e o necessário respaldo social para construí-la.
            No CPERS dos anos 80, quando a categoria discutia um projeto de escola pública, e fazíamos esta discussão nos encontros e nas comissões de educação, assim como nas greves, resistíamos melhor aos projetos anti-educacionais dos governos e tivemos conquistas importantes, como a gestão democrática (eleição de diretor e Conselho Escolar), o repasse de verbas para as escolas e uma relativa autonomia pedagógica e administrativa, muito maior do que aquela que se tem hoje.
            Este debate foi esvaziado no final dos anos 90. Lideranças do CPERS deslocaram a discussão da educação para dentro das instâncias do PT, enquanto preparavam-se para ser Governo. Quando chegaram ao Governo do Estado com Olívio Dutra, já tinham pronto tudo o que queriam fazer e não precisavam ouvir a categoria e o  CPERS.
            Aplicaram então, de cima para baixo, e de forma autoritária, a Constituinte Escolar, que embora tenha encontrado uma dura resistência da categoria, gerou em um setor da base uma frustração de expectativas em relação aquele governo, maior ainda do que aquela produzida hoje por Tarso Genro.
            A partir deste episódio, o debate educacional no CPERS entrou em uma curva descendente, ainda hoje não revertida.


O que a escola pode significar para os filhos dos trabalhadores?
            Esta é uma pergunta que deixamos para quem ler este artigo, e tiver a disposição de fazer este debate.
            Queremos discutir o que podemos fazer hoje, a partir da escola pública que temos, que possa vir a representar um saldo positivo para os interesses da classe trabalhadora. Em outras palavras, queremos discutir um programa para a escola pública que possa contribuir para avançar a consciência dos trabalhadores.
            O debate que está sendo feito sobre o Ensino Médio está muito distante da realidade das escolas, muitas vezes parecendo um verdadeiro diletantismo. O debate que estamos propondo deve ser feito dentro da escola, a partir da realidade existente, de forma a preencher a imensa lacuna de debate de base e democrático ali existente.
            Para abrir este debate nas escolas será preciso superar o autoritarismo de muitos diretores de escola, e apoiar-se no pouco que temos hoje em termos de organização por local de trabalho.
             Colocamos abaixo alguns eixos que julgamos importantes para encaminhar esta discussão:    
> Garantir o conhecimento universal nos conteúdos curriculares das escolas.
> Defender e dar forma concreta a autonomia pedagógica das escolas, para que possamos enfrentar os projetos governamentais de inspiração burguesa e desenvolver os nossos projetos educacionais.
> Lutar contra a interferência das ONGs e fundações empresariais na gestão da escola pública.
> Defender o Ensino Integral em dois turnos, construído com base em princípios pedagógicos, que permitam uma aprendizagem real, e não no assistencialismo.
> Mais verbas para a escola pública. Aplicação imediata dos 35% da arrecadação do Estado na Educação e aumento do repasse de verbas para a Autonomia Financeira das escolas.
> Apoiar a iniciativa de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade, fazendo com que as três séries iniciais sejam consideradas como um único período de aprendizagem.
> Valorização profissional do educador, com a implantação do Piso Salarial, de acordo com a Lei Federal.
> Valorização profissional dos funcionários de escola.
> Buscar para participar deste debate, de forma prioritária, a comunidade escolar das escolas públicas estaduais: professores, funcionários, pais e alunos.
  
Clovis Oliveira
> Professor de História, participante do Conselho Geral do CPERS, da Secretaria Executiva Estadual da CSP/CONLUTAS e do CEDS/Centro de Estudos e Debates Socialistas.
Porto Alegre, 4/11/2013



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De que Reforma precisamos no Ensino Médio?

Prof Lucas Berton

                Para debatermos uma verdadeira reforma do Ensino Médio e de toda educação pública, em primeiro lugar, temos que pensar sobre a finalidade social da escola. Deve-se partir do questionamento da sociedade a qual esta escola está inserida: em uma sociedade socialista ou capitalista? Nesta última, a função social da escola é unicamente preparar os alunos para reabastecer o mercado com mão-de-obra (cada vez mais barata) e despejar inúmeros conteúdos utilitaristas para “prepará-los” para o Vestibular e o ENEM? Pode-se construir uma educação que interesse à população trabalhadora com estas finalidades? Não!
A função social da escola deveria ser o de passar o conhecimento e a ciência adquiridos pela humanidade desde os primórdios até os dias de hoje. Esta é a base da construção de todo o conhecimento humano: a geração presente se apóia nas conquistas do pensamento científico das gerações passadas (estuda-os, critica-os, reelabora-os, supera-os). Sabemos que hoje a escola falha consideravelmente nesta missão por que está inserida na sociedade capitalista, divida em classes, cujo principal interesse do Estado é garantir o lucro da burguesia, a reposição de mão-de-obra barata e semi-qualificada, e não a instrução do povo. Falar em educação “emancipadora” dentro do capitalismo é ingenuidade ou mentira. Quando fala em “trabalho como processo educativo”, a burguesia quer reafirmar a escola como reprodutora de mão-de-obra para o mercado, apenas visando suprir suas necessidades atuais. Por isso, para mudar realmente a escola, é preciso acabar com a sociedade capitalista. É somente na luta contra esta sociedade e baseando-nos em uma perspectiva socialista, que critique a sociedade capitalista e a sua escola, é que podemos forjar a reforma que interessa aos trabalhadores.

I - A reforma do governo Tarso é só um discurso sedutor para esconder a aliança com o Banco Mundial
                O Ensino Médio e a educação pública como um todo tinham inúmeros problemas; não o negamos. Mas a Reforma do governo Tarso não caminha nenhum centímetro no sentido descrito mais acima, mas se afasta dele em progressão geométrica. O Ensino Médio “Politécnico” é reação em toda a linha: o governo apenas maquiou a realidade escolar, com índices manipulados e um discurso pseudo progressista. Na verdade, esta Reforma segue piorando a escola pública cada dia que passa: menos recurso, menos investimento, menos currículos de formação científica; mais arrocho salarial, mais períodos sem qualidade e tempo para a formação. O conceito de “Politécnico” – pretensamente marxista – é, na realidade, apenas a vinculação da escola pública aos cursos técnicos profissionalizantes privados, às custas do dinheiro público através do PRONATEC. O governo se esconde atrás de um discurso aparentemente progressivo de “emancipação” e “marxista” (socialista) porque não pode assumir abertamente a vinculação da Reforma com os projetos do Banco Mundial e do Plano Nacional de Educação (PNE), que é um plano neoliberal que visa a privatização progressiva da educação pública, também à mando dos organismos financeiros internacionais.
                O trabalho deveria ser o norte educativo, mas não no sentido de subordiná-lo ao capital, porque a este só interessa perpetuar esta vinculação na forma de escravidão moderna, esvaziando totalmente o conteúdo educacional “emancipador”. Por tudo isso é necessário barrar a Reforma, não por acharmos que a educação antes estava boa, mas por reconhecer que este “novo Ensino Politécnico” não avança nenhuma vírgula no sentido da educação que queremos, trazendo benefícios apenas ao grande capital e ao Banco Mundial.
Em seus inúmeros documentos, o governo Tarso diz que as aulas “estão afastadas da realidade do aluno”, o que é verdade. Mas isso não se dá por causa do professor ou dos currículos, mas porque a escola reproduz o ambiente autoritário de uma fábrica, com horários e objetivos de discipliná-los rigidamente em um regime de escola que, na maioria das vezes, os alunos não têm a opção de discutir. Disciplina imposta não é disciplina, é autoritarismo. A escola está parada na Idade Média. Os moldes são os mesmos: quadro negro, giz, fala monótona de um professor sem recursos (e com diversas turmas) e alunos sentados em fila indiana, em cadeiras desconfortáveis, suportando períodos de matérias que só despejam conteúdos burocraticamente e que cobram um idealizado bom desempenho em repetitivos trabalhos e provas. A prova é sempre o eixo central do aprendizado. A curiosidade, que é parte fundamental do processo de aprendizagem, na escola atual (inclusive na escola “Reformada”), é morta na casca. A Reforma do Ensino Médio do governo Tarso, apesar do discurso da “avaliação emancipatória”, não resolveu o problema desta subordinação do ensino à avaliação.
                No lugar desta subordinação, e ao contrário da farsa da “avaliação emancipatória” da Reforma do governo, a escola deveria ser uma divulgadora e propagadora da ciência, combatendo a ignorância, o preconceito, o obscurantismo esotérico, religioso, etc. Realizar frequentemente campanhas de leitura e escrita, clubes de literatura, de teatro, de prática de esportes; instigar a curiosidade filosófica, matemática, científica. Os laboratórios de química, física e biologia deveriam ser a sala de aula cotidiana destas disciplinas, e não a “aula diferencial” (que muitas vezes nunca acontece por falta de condições e materiais). Tudo isso de forma flexível em horários, metodologias, avaliações e currículos, sempre respeitando as especificidades de cada comunidade escolar.

II - Sobre as questões infra-estruturais
                Todos educadores sabem pela experiência que os sucessivos governos vêm desmantelando a educação pública, ano após ano. A “defesa da educação como prioridade” é apenas demagogia eleitoral. As nossas condições de trabalho estão precárias porque todos os governos aplicam os planos neoliberais do grande capital e do Banco Mundial na educação pública. Isto é o que nos afasta da realidade do aluno. A RBS lançou sucessivos artigos que sustentam que o problema da educação pública não é prioritariamente investimento, mas de gestão. Ao invés de investirmos o valor das dívidas externa e interna na educação pública, devemos simplesmente “gerir melhor” os parcos recursos financeiros que nos chegam. É esta política que vem sendo aplicada há, no mínimo, 20 anos na educação pública, fruto do neoliberalismo, e o resultado é o que vivenciamos diariamente no chão da escola. Por tudo isso, nós não “precisamos das respostas” do Banco Mundial e da RBS para a educação!
                O primeiro passo, para falarmos seriamente em uma Reforma educacional, seria o investimento real e progressivo na educação pública, isto é, reformar e reconstruir toda a infraestrutura das escolas públicas: bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas, rede elétrica, hidráulica, telhados, paredes, vidros, portas, banheiros, materiais de reposição de toda a espécie. O governo Tarso diz que está fazendo isso, mas a verdade passa bem longe disso, pois investiu apenas R$269 milhões nesta recuperação infra estrutural, enquanto concedeu aos empresários, através de isenção de impostos, mais do que dez vezes este valor: R$10 bilhões! Como se isso não bastasse, investiu em propaganda política do governo na grande mídia o montante de R$125,7 milhões (R$25,7 milhões em 2011 e R$97,8 milhões em 2012/2013: um aumento de 193%, não casualmente, em ano pré-eleitoral). Trata-se de torrar quase o mesmo valor gasto com educação para fazer propaganda enganosa.
                A Reforma que queremos na educação pública requer a mudança da relação com a sala de aula tradicional: quadro negro, giz e a fala do professor. Precisamos da introdução de datas-shows em todas as salas de aula com a disponibilidade de internet. Laboratórios reformados e com materiais de pesquisa e aplicação sempre renovados. Substituição dos livros velhos (sobretudo os didáticos) por novos, com um linguajar mais atual e com as últimas descobertas e polêmicas científicas. Seria fundamental a modificação da estrutura elétrica das escolas, possibilitando a implementação de um sistema de rede de ar condicionado central para tornar o ambiente escolar mais agradável no frio e no calor, pois é preciso que os alunos sintam-se bem no seu local de estudo tanto quanto se sentem nos shopping centers, lojas e restaurantes (se nestes locais isso é uma realidade, porque na escola pública não o é?). Para a prática da educação física é indispensável a reposição das bolas, de uniformes e a construção de ginásios esportivos, dotados de academias de musculação e de banheiros adequados (quantas novas academias se proliferam por todos os cantos? Por que elas não podem fazer parte da escola pública?). As classes e cadeiras das salas de aulas precisam ser substituídas pelas classes estofadas e mais espaçosas que abundam nas universidades privadas. Muitos alunos reclamam – e com razão – das classes velhas e duras nas quais tem que suportar 4h de aulas repetitivas em ambientes mofados, com goteiras, sem vidro, terrivelmente quentes no verão e muito frias no inverno.
                A Reforma que queremos não se resume a mais investimento. Queremos uma reformulação da estrutura das salas de aula e de sua composição: menos alunos por turma (entre 10 e 15, no máximo) e menos turmas por professor (uma média entre 3 e 5 turmas, no máximo, a depender da disciplina). Os professores precisam conhecer seus alunos e, para isso, é fundamental diminuir o número de turmas. Cada escola deve contar com um corpo especializado de psicólogos, psicanalistas e pedagogos, que darão o suporte necessário para este conhecimento maior do professor sobre cada um de seus alunos, debatendo, periodicamente, a melhor política de inclusão e do combate ao preconceito, bullying, depressão, crises familiares (separações, abusos, brigas, etc.).
A atual estrutura de períodos, divididos em 50 ou 45 minutos, é um grande limitador didático e pedagógico para professores e alunos. De nada adianta acrescentar novas disciplinas, como seminário, falar em projetos que estabeleçam uma relação mais “próxima da realidade do aluno”, se a carga horária é dividida desta forma, obrigando os professores a despejarem burocraticamente seu conteúdo em um curto espaço de tempo, para, logo em seguida, sair da turma e repetir mecanicamente o processo em outra. Como possuem muitas turmas e muitos alunos, não é possível desenvolver um projeto pedagógico que atenda as especificidades e ritmos de aprendizagem de cada aluno e de cada turma.

III - Questões administrativas
                A administração da escola é também uma forma de educação de alunos, pais e professores. Uma direção autoritária educa necessariamente alunos submissos, apáticos e despolitizados, que, num rompante de descontrole (a depender do estado psíquico de cada aluno), transforma-se na mais brutal indisciplina. A capacidade de argumentação – sobretudo de professores – deve ser o método de condução da disciplina, e não a imposição fria. O exemplo vindo de professores e dirigentes é o melhor método educativo. A educação exige uma atitude séria, simples e sincera. As palavras e os atos devem se encontrar. A menor falsidade, artifício ou frivolidade condenam ao fracasso o trabalho educativo. É preciso ser simples e sincero na relação com a coletividade. Caso contrário, se criará um abismo caótico de profundos desentendimentos entre corpo docente e discente. A disciplina coletiva tem que nascer de um debate geral e, principalmente, da experiência cotidiana, da realidade concreta de cada comunidade escolar. Por isso a liberdade pedagógica é fundamental.
                A Reforma do Ensino Médio Politécnico acabou com esta liberdade, obrigando todas as comunidades escolares a seguirem a uniformização avaliativa e curricular da Seduc. Além disso, ignorou os mais de 40 recursos que chegaram até o Conselho Estadual. A forma de aplicação desta Reforma (a imposição fria goela abaixo) e as suas consequências nefastas (fim da autonomia pedagógica e da gestão democrática) revelam muito do seu conteúdo: as diretrizes neoliberais do Banco Mundial para a educação pública não podem ser questionadas. O PNE também exige o fim da gestão democrática das escolas, o que casa perfeitamente com o que está em curso através da Reforma do Ensino Médio Politécnico. Toda esta prática administrativa contradiz o discurso oficial de “emancipação humana”, contida nas declarações e documentos oficiais da Reforma.
                O governo fala em transformar os alunos em cidadãos críticos e conscientes. Mas como é possível fazer isso se em nenhum momento dos seus extensos documentos, palestras e declarações, o governo fala em compartilhar a administração do espaço escolar com os alunos. O grêmio estudantil tem papel fundamental nesta tarefa, podendo contribuir não apenas para politizar os alunos e professores, mas também, colaborar na administração da escola, seja material, seja pedagogicamente. O pedagogo soviético, Anton Makarenko, aplicou esta diretriz numa escola de jovens delinqüentes com grande êxito. Os jovens alunos se envolviam com a condução da escola a tal ponto de dividir tarefas espontaneamente (exatamente o oposto do que ocorre hoje, onde impera uma cultura do menor esforço, justamente porque os alunos não se sentem parte ativa do espaço escolar).
                Muitos professores querem a autoridade pela autoridade para garantir a “tranquilidade” da sua aula de 50 minutos. Mas a atual estrutura de períodos, o baixo investimento, a escassez de recursos, as normas impostas sem debates, o elevado número de alunos por turmas e de turmas por professor geram um mal estar nos alunos que, muitas vezes não conseguem se conter e a indisciplina é a resposta a essa autoridade imposta mecanicamente, e não conquistada. O método para vencer a indisciplina é o exemplo dado pelo próprio professor e o convencimento pela força dos argumentos. Se temos os melhores argumentos, temos que mostrá-los aos alunos e, sobretudo, sermos coerentes com a nossa argumentação. Se os alunos têm argumentos mais fortes que os dos professores, estes devem reconhecê-los, dando provas de sua disposição em construírem juntos a disciplina e a organização da sala de aula e da escola. Assim, ambos atores do processo educativo evoluirão.
É preciso envolver os pais gradativamente, através de palestras, aulas públicas e de assembleias da comunidade escolar. Os alunos têm papel determinante para ajudar a trazer a comunidade escolar para dentro da escola. As apresentações artísticas e culturais podem cumprir este papel: clubes literários, exposições, feiras de ciência, teatros, apresentações musicais e de dança, filmes, debates políticos, pedagógicos. Chamar os pais para escola unicamente na entrega de boletins, na eleição de pais e mestres ou quando os alunos são indisciplinados, são métodos que já demonstraram sua inocuidade. É preciso superá-los.

IV - Questões curriculares
                Colocar a escola em sintonia com a realidade dos alunos não basta. É preciso fazer com que o ensino de ciência seja acessível e interessante ao aluno. Este é o método! Qualquer outra forma significa rebaixar o conteúdo científico em detrimento dessa suposta aproximação com a realidade do aluno. Em um primeiro momento pode parecer justo o discurso do governo de se aproximar da realidade do aluno. Mas isso só seria verdadeiro se esta aproximação fosse para elevá-lo ao nível da consciência científica (ou, pelo menos, o mais próximo disso) e não para rebaixá-la ao nível do espontâneo e da alienação do trabalho. Que é o seu verdadeiro interesse.
                A interdisciplinaridade é uma bandeira do nosso movimento sindical (como cinicamente nos lembram os representantes do governo dentro do CPERS). Sim! A interdisciplinaridade é uma bandeira nossa! Mas as bandeiras de mais investimento na educação, menos turmas por professor, gestão democrática, autonomia pedagógica e avaliativa, também o são. A Reforma do Ensino Médio Politécnico, em nome desta suposta interdisciplinaridade, destrói e compromete todas elas.
                O primeiro passo para uma interdisciplinaridade efetiva se daria em passar as atribuições do Seminário para as aulas de Filosofia, que é a mãe de todas as ciências. A partir da Filosofia pode se estabelecer uma ponte, através da curiosidade, entre todos os ramos do conhecimento e ir, gradualmente, despertando o interesse dos alunos nas demais áreas e, sobretudo, no método científico de pensamento de cada disciplina. Com horários mais flexíveis (mais ou menos como ocorre nas universidades), e fundindo em determinadas séries, algumas disciplinas afins (e separando-as em outras), se pode demonstrar, dialeticamente, a unidade do todo e as suas partes. Pode-se trabalhar com a ideia de disciplina guia e disciplinas auxiliares, em alguns casos (mudando a ênfase em cada uma das séries). Evidentemente só podemos apresentar ideias gerais aqui, uma vez que, para haver esta reformulação de disciplinas, é preciso um amplo debate com todos os atores envolvidos: professores, alunos e funcionários (debate que o governo Tarso nunca se propôs a fazer). É preciso demonstrar aos alunos que a natureza e o cosmos não conhecem esta divisão por disciplina feita por razões didáticas, que não correspondem mais à realidade (ou que talvez nunca tenham correspondido plenamente).
                Com um quadro mais enxuto, devemos introduzir ao longo do Ensino Médio disciplinas que lhe colocarão em contato não apenas com a tecnologia mais utilizada na sociedade atual (que hoje é disponível apenas em cursos especializados), bem como noções gerais sobre os seus direitos e os conflitos psicológicos. Sugerimos algumas áreas que deveriam ser introduzidas no Ensino Médio como disciplinas auxiliares: informática (matemática, números binários, montagem de computadores, estudo do funcionamento das redes sociais, etc.); noções básicas de direito (do trabalhista em particular, sendo uma ponte com a Sociologia, História, Geografia, etc. – muitos brasileiros não sabem como funciona a justiça e, na maioria das vezes, nem sequer sabem ler um texto jurídico); psicanálise (o que poderia ajudar a esclarecer muitos dos conflitos familiares e amorosos dos alunos, sendo, também, uma ponte com a Biologia, a Filosofia, a Educação Artística, e uma forma de educação sexual também); discussão política de temas atuais, onde se analisaria discursos de políticos, partidos, da mídia, e sempre se abordariam temas da realidade mais imediata do país e do mundo.
                Uma modernização dos currículos – aliada a um investimento maior na educação, o que possibilitaria aulas mais dinâmicas baseadas na tecnologia e em inovações pedagógicas permanentes – seria a base da reforma que precisamos no Ensino Médio e na educação pública em geral. Os governos capitalistas choram miséria, sonegando dinheiro. Mas sabemos que é tudo mentira, uma vez que priorizam os lucros dos bancos, das empresas e das multinacionais. É só refletirmos sobre tudo o que é gasto com estes setores. Listemos todos os recursos que o Estado capitalista desperdiça, tais como as dívidas externa e interna (que consomem 50% do orçamento público do país), a isenção de impostos a empresários, os gastos em propaganda política, com a Copa do Mundo, com lucros de bancos e multinacionais que nunca mais voltarão ao país, etc. E se fosse investido, em um único ano, estes 50% que são torrados injustamente em dívidas (que já foram pagas mais de 20 vezes)? Como os laços capitalistas do governo com os organismos financeiros imperialistas não o permitem, fazemos o caminho inverso: o governo Tarso e Dilma fazem reformas que vão gradualmente enxugando os investimentos nos serviços públicos e a educação, ano a ano, vem tornando-se um fardo para professores e alunos, sempre alvo de mais cortes e arrochos através de “decretos” e “Reformas” (leia-se: contra-reformas). Esta é a lógica do capitalismo, a qual os governos Tarso e Dilma (bem como os demais) estão subordinados. É por isso que a luta por uma nova educação está estreitamente ligada à luta pela derrubada do capitalismo e pelo socialismo.

V - A “lerdeza” do CPERS
                O CPERS realizou um seminário de educação no final de outubro de 2013, deixando a Reforma do Ensino Médio Politécnico praticamente se consolidar em várias escolas que não possuem trabalho sindical, justamente por falta de um contraponto. Perdeu inúmeras oportunidades para elaborar um documento com uma reforma que realmente interessasse aos trabalhadores: Conferência de outubro de 2012, Congresso Estadual de junho e greve de agosto/setembro de 2013. Mesmo neste último seminário convocou majoritariamente painelistas e acadêmicos em detrimento de organizar o debate com contribuições vindas diretamente do chão da escola.
Como “resultado” deste seminário, prepara um novo “debate” estadual em 4 fases que termina apenas no ano que vem, o último ano do governo Tarso, novamente privilegiando os “apoiadores da academia”. Ainda que possa e deva haver contribuições dos acadêmicos e, também, da sociedade em geral, consideramos esta preferência pelos apoiadores da academia um erro. A melhor reforma será elaborada a partir da aliança entre alunos, professores e funcionários da escola pública, agentes ativos de todo o processo.


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A DOR E A DELÍCIA DE SER PROFESSOR

Ruy Guimarães
Professor de História


No próximo dia 30 de outubro estaremos tomando posse os primeiros 1.100 professores e professoras aprovados no último concurso ao magistério público estadual. Foi um certame envolto em polêmica que não é o foco deste texto. Menos de 10% dos concorrentes foi aprovado.
No local da prova, ao menos da minha área de formação, era visível a quantidade de jovens candidatos. Uns recém-egressos das universidades, outros em busca de substituir o famigerado contrato emergencial, temporário que acaba se tornando permanente.  Um bom número destes candidatos com mestrado e até doutorado. Em duas ou três olhadas que dei no “listão” firmei a suspeita de que a nossa área, História, foi a que teve o maior número de aprovados. Não vai aqui qualquer arrogância ou vaidade. Mera constatação que em princípio não quer dizer muita coisa.
No dia da perícia médica admissional constatei com relativa satisfação que a maioria, a grande maioria dos presentes era de jovens. No meu grupo de psicotécnico (não mais de dez pessoas), havia dois mestres, dois mestrandos e um doutorando. Um inclusive, professor substituto em uma universidade federal do interior do estado.
Minha relativa satisfação é pelo potencial de mudanças trazido pelos jovens mestres, embora saibamos que é a prática que vai, de fato, formar estes profissionais.
É doloroso constatar, por outro lado que segundo recente pesquisa encomendada à UFRGS pelo CPERS-Sindicato, praticamente a metade dos trabalhadores em educação do Rio Grande do Sul apresentam algum tipo de moléstia. Muitas destas doenças são consequências das péssimas condições de trabalho e salário, pela excessiva carga de trabalho e já conhecida desvalorização do magistério.
No último domingo um programa de TV pertencente ao monopólio das telecomunicações do Rio Grande do Sul levou ao ar reportagem sobre um jovem professor aprovado no mencionado concurso. Jovem que sai da função de Agente Educacional I/Limpeza e Manutenção (“faxineiro” na caracterização da reportagem) para a de professor de História. Disse distorcidamente a reportagem que o rapaz passaria de um salário de R$ 1.100,00 para R$ 1.400,00. A matéria falseia a verdade! O funcionário só ganha R$ 1.100,00 em função do plano de carreira porque tem nível superior. A inverdade está no fato de que ele não passará a receber R$ 300,00 a mais como professor e sim R$ 300,00 a menos! Porque o concurso dele é para 20 horas semanais. Ele só perceberá os R$ 1.400,00 – BRUTOS, é bom que se diga – se conseguir uma convocação para mais 20 horas. Isto porque até hoje o governo do estado não implementou o pagamento do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério. Ao contrário o governador repete a manobra da ex-governadora Yeda e entra com Ação de Inconstitucionalidade no STF contra o Piso.
Mas, nesta profissão temos as nossas delícias. Que não devem servir como compensação da contrapartida financeira não paga pelo Estado, mas são delícias reais. A maior delas é a relação com a juventude, com os estudantes. Seus conflitos, problemas às vezes da maior seriedade e gravidade, seus sonhos, rebeldias – às vezes sem causa -, suas potencialidades.
Neste concurso tive a honra de “disputar” com alguns ex-alunos e ter outros, de outras áreas, aprovados. Como exemplo, cito o Thiago de Aguiar Moraes, Mestre em História, aprovado em 17.º lugar na classificação geral do estado e segundo colocado na sua área de concurso na 1.ª CRE. O Thiago foi meu aluno. Ótimo e dedicado aluno. E agora é meu colega. A escola que o tiver como professor terá ganhado uma “mega sena”.  Seus alunos terão um guia intelectual da maior qualidade.
Tomara que os Thiagos aprovados permaneçam na rede pública estadual por longo tempo, pois são fortes candidatos ao magistério superior. Oxalá o ingresso destes professores areje a ideia do senhor governador e que se renda à evidência de que para manter os melhores cérebros é preciso remunerar melhor. Basta cumprir a lei!




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UM PROGRAMA PARA A ELEIÇÃO DE DIRETOR

Esta proposta é um subsídio para a elaboração de um programa eleitoral de diretor, abrangendo toda a realidade da escola e precisando ser adaptado às situações específicas.
A conquista deste programa não depende exclusivamente do diretor da escola. A realização  das propostas abaixo depende da existência das verbas públicas e recursos humanos, que são sonegados pelos governos. O diretor comprometido com a escola pública não pode se acomodar a esta situação e precisa apoiar um programa que vá além destas restrições. A conquista de muitos dos pontos deste programa, somente poderá ser uma consequência das lutas dos trabalhadores em educação na escola e em conjunto com o CPERS-Sindicato.                                           

1) Aperfeiçoamento pedagógico da escola
> Funcionamento do SE e SOE, de acordo com os níveis de ensino, número de alunos e professores e turnos de funcionamento da escola;
> Estruturar o Conselho de Classe, com a participação de todos os envolvidos no processo de avaliação e priorizando o aprimoramento pedagógico da escola;
> Reuniões pedagógicas para troca de experiências, atualização e planejamento, dentro do turno do professor;
> Divulgar as experiências pedagógicas da escola;
> Luta pela designação de professores especializados e substitutos e garantia de intervalo para os              professores do currículo por atividades;
> Respeito ao número adequado de alunos por turma;
> Autonomia da escola para instituição de sistema próprio de ingresso e de avaliação de alunos;
> Garantir o funcionamento da biblioteca em todos os turnos;
> Propiciar a participação de professores e funcionários em cursos de atualização;
> Lutar pela designação de professores e funcionários para as vagas em aberto.

2) Gestão Escolar
> Elaboração do Regimento Escolar através de discussão autônoma e democrática;
> Qualificar o Conselho Escolar enquanto um mecanismo de participação da comunidade escolar na gestão da escola, que funcione de forma regular, independente, desatrelado da direção e transparente;
> Fazer com que a convocação do Conselho Escolar seja de conhecimento de todos, permitindo a realização prévia de assembleias preparatórias em cada um dos segmentos (professores, funcionários, pais e alunos);
> Divulgar as decisões do Conselho Escolar para a comunidade escolar;
> Elaborar o calendário escolar em conjunto com a comunidade escolar;

3) Gestão financeira
> Não transferir para a comunidade escolar o ônus da sustentação financeira da escola;
> Lutar pela regularização dos repasses mensais de verbas;
> Lutar por mais verbas para a escola;
> Discutir a programação financeira da escola com a comunidade escolar.

4) Melhores condições de infraestrutura
> Melhoria das instalações e condições de higiene nos banheiros, e limpeza periódica das caixas de água;
> Instalação de bebedouros nos corredores e sala dos professores;
> Melhoria na limpeza das salas de aula;
> Conscientização e medidas disciplinares contra as pichações e depredações na escola;
> Manter a qualidade da merenda dos alunos;
> Transformar a sala dos professores em um ambiente adequado para o trabalho e repouso;
> Informatização da sala dos professores , biblioteca e instalação de laboratórios, com manutenção permanente. 
5)Mudança nas relações humanas na escola
> Discussão da relação professor-aluno para melhorar o convívio e a aprendizagem na sala de aula;
> Discussão da indisciplina e da violência na relação dos alunos com o professor;
> Adoção de normas de convivência baseadas em uma relação democrática e de respeito;
> Respeito por parte da direção e do SOE às medidas disciplinares adotadas pelos professores;
> Transformar o recreio em um espaço/tempo propício para o lazer e manifestações culturais dos alunos;

6) Melhores condições de segurança na escola
> Nomeação de funcionários para criar um serviço permanente de vigilância nas escolas;
> Policiamento na parte externa da escola e nas paradas de ônibus próximas, no início e término dos turnos, principalmente à noite;
> Melhoria da iluminação pública e da sinalização de trânsito na proximidade da escola;
> Reparação ou reforço dos muros e cercas da escola;
> Instalação e manutenção de extintores de incêndio;
> Programas educativos de segurança, prevenção de acidentes e saúde.

7) Integração da comunidade escolar
> Sondagem à comunidade escolar para identificar a sua realidade socioeconômica;
> Livre funcionamento dos grêmios de alunos, professores e funcionários e CPMs;
> Transformar a escola em um polo social e cultural da comunidade escolar, organizando encontros, palestras, cursos voltados para as necessidades da comunidade, lazer e esporte.

8) Preocupação com o meio ambiente
> Mudança do aspecto da escola através do plantio planejado de árvores e arbustos, nas áreas desprovidas de vegetação, aproveitando o trabalho e o conhecimento técnico da comunidade escolar;
> Execução de atividades semelhantes na imediação da escola;
> Organização de campanha de conscientização sobre a necessidade de existência de um ambiente saudável, buscando soluções para problemas relacionados com lixo, poluição e ruídos.

9) Relação com o CPERS
> Criar condições para a eleição do representante do CPERS, sua participação no Conselho do Núcleo, relato dos conselhos e abertura de espaço para as reuniões sindicais na escola;
> Reconhecimento das assembleias do CPERS como a única instância soberana para as deliberações de greve dos trabalhadores em educação.

10) Apoio e participação nas lutas dos trabalhadores em educação
> Implantação da Lei do Piso, salarial e carga horária
>  Mais verbas para a educação;
> Por um IPE público e eficiente;
> Defesa da escola pública, gratuita, laica e democrática.
                                                    
 CEDS 2006
 Atualizado 2012


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Ensino médio: a pior etapa da educação do Brasil

Série especial do iG mostra por que os adolescentes perdem interesse pela escola, acabam desistindo ou não aprendem o que deveriam






Incedeia-se o movimento estudantil chileno

Ocupações de colégios e greves de fome, feitas por vários estudantes, esboçam os ânimos dos estudantes. Um micro-ônibus com carabineros ocupou o principal colégio público do Chile, uma imagem que recordou a ditadura e irritou ainda mais os estudantes.

A reportatem é de Christian Palma, publicada no jornal Página/12, 22-08-2012. A tradução é do Cepat. 

Depois que por vários meses o movimento estudantil chileno - que dominou os noticiários, em nível mundial, em 2011 - esteve quieto, foram os secundaristas que reavivaram a luta reivindicativa que aponta para a gratuidade e a qualidade da educação pública, como a coluna vertebral de suas exigências. Agosto deu lugar às ocupações de estabelecimentos emblemáticos de Santiago, que somados aos discursos frontais de seus dirigentes, com as abusivas desocupações pelas forças especiais de carabineros, conquistaram o efeito desejado pelos jovens: o de recolocar o assunto na agenda (a ponta de paus, batalhas e detenções) e deixar claro para os cidadãos que concretamente o governo de Sebastián Piñera fez pouco para melhorar o sistema educativo. A repressão contra os “pinguins” – que no ano passado custou a vida do menor Manuel Gutiérrez – continua aí, muito próxima de alunos que apenas passam dos quinze anos, no caso de muitos que foram presos.

Uma das coisas que mais teve impacto sobre a cidadania e que encheu os ânimos dos secundaristas foi a ocupação, pelos carabineros, do principal colégio público do Chile: o Instituto Nacional, que há pouco completou 199 anos, e de onde saíram numerosos presidentes do país (Allende e Lagos, entre outros). Um micro-ônibus de efetivos pernoitou em seu interior, impedindo que os alunos tentem tomar o estabelecimento. A imagem traz à memória os melhores anos de Pinochet. 

Na segunda-feira, uma batalha campal entre os meninos e os carabineros permitiu que, por algumas horas, os alunos ingressassem no colégio. Mais tarde, os ousados jovens foram fortemente retirados pela polícia, que deteve mais de 10 garotos e alguns representantes e professores, tudo a poucos quarteirões do La Moneda. Não foi tudo. A alguns metros dali, os alunos da Universidade do Chile tomaram a Casa Central e começaram uma votação interna, por faculdade, para determinar o apoio ou não a essa radical medida. Ao final desta edição, uns 20 cursos estavam parados à espera do que decidiriam as assembleias.

Sempre no centro de Santiago, diversos alunos do Instituto Superior de Comércio começaram uma greve de fome em frente ao seu colégio, muitos dos quais se acorrentaram aos portões de entrada. Somente a intervenção dos carabineros conseguiu dissuadir o protesto, que culminou com vários detidos na manhã de ontem. Mais tarde, as alunas do Liceu 1 (onde estudou Michelle Bachelet) enfrentaram fortemente os carabineros.

Esse clima incendiado pelos pinguins ganhou força nos universitários, que reconhecem como um erro não terem se organizado melhor no ano passado. Também está claro que o nível de adesão cidadão ao movimento caiu. Por isso, diversas atividades pretendem rivalizar-se com as pitorescas performances de 2011. Ao protesto com roupa íntima, de segunda-feira, somou-se uma “bicicletada” massiva que acontecerá, hoje, em Santiago. Amanhã haverá diversas marchas comunais com destino às municipalidades e no sábado ocorrerá a mais emocionante: uma homenagem na passarela onde há um ano morreu o adolescente Manuel Gutiérrez, devido aos disparos feitos por um carabinero.

“Faremos uma vigília no lugar onde Manuel morreu. Completa-se um ano do assassinato impune de um jovem num protesto, cometido pelos carabineros, nós não esqueceremos isso”, disse ontem Gabriel Boric, presidente dos alunos da Universidade do Chile. Nesse sentido, voltou a criticar o governo por sua pouca capacidade de diálogo. “O ministro da Educação (Harald Beyer) engana, disse que está disposto a dialogar no Congresso as margens de sua proposta, cujas modificações são muito complicadas. Ao final do dia, os projetos se estagnam e o governo se defende dizendo que apresentou sete projetos que ainda não foram discutidos conosco”, disse.

Neste sábado, em Iquique, ao norte do Chile, a Confederação de Estudantes do Chile terá um plenário que definirá os passos a seguir. Não são descartadas mobilizações mais radicais, como as de 2011, que duraram quase nove meses. Diversos presidentes, de diferentes universidades chilenas, com a Católica, Conceição, Austral e deSantiago, disseram para o jornal Página/12 que não está descartada nenhum tipo de mobilização, inclusive a ocupação dos campus, “sobretudo pelo nulo espaço de diálogo que o governo oferece e pela necessidade de voltar a dar intensidade ao movimento. Estamos preocupados com um governo que não quer arredar o pé de uma agenda privatista da educação”, disse Noam Titelman, da Universidade Católica. Enquanto isso, os secundaristas prosseguem com as ocupações de colégios.





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Currículo do secundário mais pobre. Nova regra obriga a eliminar disciplinas


Por Kátia Catulo, publicado em 16 Ago 2012

Número mínimo nas cadeiras opcionais sobe de 10 para 20 alunos por turma. Leque de escolhas será mais limitado

O currículo do ensino secundário vai ficar mais pobre. Menos disciplinas de opção nos 10.º e 12.º anos é a consequência para as escolas da rede pública que, a partir de agora, só podem formar turmas com pelo menos 20 alunos. Até ao ano lectivo anterior, 10 alunos foi o patamar mínimo exigido, mas esse limite passa para o dobro em 2012-2013. As secundárias tiveram de encerrar turmas e reduzir as disciplinas. Em boa parte das escolas ou agrupamentos, os alunos viram o leque de opções encolher.
Os estudantes já não podem escolher as cadeiras que mais querem e passam a seleccionar as opções curriculares mais populares. E é assim que muitas disciplinas já foram eliminadas nas escolas. Nuns casos é a Física, a Psicologia ou a Economia, noutros é a Química, a Geometria Descritiva ou a Biologia/Geologia, noutros estabelecimentos de ensino são as línguas estrangeiras como o Inglês, o Alemão ou o Francês que acabam em Setembro, perante a nova regra imposta pelo Ministério da Educação.
Na Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho (Lisboa), por exemplo, desaparecem três disciplinas do 10.º ano e uma do 12.º ano. Na Escola Afonso Lopes Vieira, em Leiria, são sete as disciplinas de opção que já não abrem no ano lectivo de 2012-2013. Na Secundária de Camões, em Lisboa, as cadeiras sacrificadas são Latim de 12.º ano, Alemão, Filosofia e Clássicos da Literatura. Em Coimbra, a Secundária Infanta D. Maria encerra seis disciplinas por não conseguir formar turmas com um mínimo de 20 alunos. Na Escola João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, são duas as opções que desaparecem.
Em alguns agrupamentos, como é o caso de Carcavelos (Cascais), a possibilidade de escolha foi anulada para se conseguir manter duas disciplinas. Os cursos de Línguas e Humanidades, que antes dispunham de dois pares de cadeiras opcionais – Aplicações Informáticas, Geografia, Psicologia e Sociologia –, passaram a ter uma única alternativa, tendo os alunos de frequentar obrigatoriamente duas disciplinas (Psicologia e Sociologia).
É o que acontece também na Infanta D. Maria, em Coimbra, com os alunos do 10.º e 12.º anos que, em vez de decidirem entre História e Geografia, têm uma escolha única, Geografia). Mesmo assim, conta o director, a secundária conseguiu manter as disciplinas tradicionais, como Aplicações Informáticas, Psicologia, Biologia, Química ou Sociologia. “Houve um grande trabalho de bastidores feito pelos nossos docentes, que tentaram perceber quais as disciplinas mais requisitadas pelos alunos”, explica Ernesto Paiva, reconhecendo que as decisões tomadas pela direcção implicaram o “sacrifício” de uma boa parte dos alunos, que teve de abdicar de algumas preferências.
Foi muito antes do ano lectivo anterior terminar que o serviço de orientação escolar da Secundária Gonçalves Zarco começou a contactar os alunos para ajustar as ofertas às principais tendências, encaminhando-os para as disciplinas de opção com maiores probabilidades de abrirem turmas. Foi assim que a escola conseguiu manter as opções mais importantes, como Biologia, Física ou Psicologia.
Manter as principais disciplinas de opção implicou alguma ginástica para compor o puzzle, conta o director da Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Luís Miguel Goucho: “Muitas das opções que conseguimos abrir devem-se ao facto de conseguirmos juntar alunos provenientes de várias turmas numa única, para assim atingirmos o número mínimo.” Em alguns casos, no entanto, nem concentrando os alunos de vários cursos numa única turma se conseguiu atender a todos os pedidos. Numa secundária da região Norte, cujo director pede para não divulgar o nome, o conjunto de alunos que viu as suas opções rejeitadas subiu de 5% para 30%: “No curso de Arte, como só existe uma turma, foi impossível desdobrá-la para poder oferecer duas opções. Tivemos de sacrificar a Matemática B para manter a Cultura das Artes”, conta o director, dando conta ainda de que, na sua escola, as disciplinas de Física, Psicologia, Economia C e Literatura Portuguesa desapareceram do currículo do 12.º ano.
DECISÕES SUSPENSAS Nem tudo está ainda decidido. Há turmas que, apesar de não terem os 20 alunos para abrir as disciplinas de opção, esperam por autorização da tutela para poderem vir a beneficiar de um regime de excepção. Os pedidos já foram feitos pelas escolas em finais de Julho mas, a pouco menos de três semanas do início das aulas, ainda não há decisões. Na Secundária de Camões, em Lisboa, as turmas de 10.º ano de Latim (com 10 alunos) e Francês, com 15 alunos, aguardam luz verde da Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DRELVT). “Estamos bastante esperançados em que a disciplina de Latim obtenha autorização, dado que é a única escola na cidade a oferecer esta opção. O caso de Francês também nos preocupa porque, se acabar, os alunos ficam só com uma opção em língua estrangeira”, explica a vice-directora Adelina Precatado.
No agrupamento de Carcavelos, o director Adelino Calado espera também pelas respostas da DRELVT para poder abrir excepcionalmente uma turma de Espanhol com 15 alunos e outra de Francês com 14 alunos que, por serem disciplinas de continuação, podem vir a ter mais hipóteses de sobreviver.
São excepções que precisam de ter o aval da tutela mas, regra geral, as escolas vão ter menos opções para oferecer. A medida “não seria necessariamente má” – defende o director da Secundária Severim de Faria (Évora) – se houvesse preocupação em acautelar as assimetrias regionais e os projectos curriculares de cada agrupamento: “A realidade demográfica de um grande centro urbano não é, obviamente, a mesma de uma cidade do interior. As escolas de Lisboa ou do Porto não têm a mesma dificuldade para completar uma turma do que, por exemplo uma escola da região alentejana”, defende Carlos Percheiro, adiantando que na sua escola é a Química que vai desaparecer, sendo o futuro da Física ainda incerto.




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Resumo da avaliação de autoria de Clovis Oliveira, membro do Conselho Geral do CPERS/Sindicato e do CEDS/Centro de Estudos e Debates Socialistas, feita em 22/6/2012, por ocasião do Seminário de Educação do 39º Núcleo do CPERS.

SOBRE O FILME "GRANITO DE ARENA"

           
O projeto do Banco Mundial para a educação do México:
            O filme trata da extinção de uma grande escola rural em Chiapas, no sul do México, destinada para estudantes de baixa renda e para a formação de professores rurais, com o argumento de que não havia mercado para os alunos ali formados.
            A demolição das salas de aula começou em 2004, com base nos projetos do Banco Mundial para a educação do México.
            O filme mostra a resistência dos professores, funcionários, alunos e pais contra a destruição da escola, assim como a dura  repressão que foi desencadeada contra a ocupação da escola, com 150 presos, que sofreram espancamentos, um deles fatal.
            O filme mostra também um discurso de 2004 do Presidente do México, Vicente Fox, ex-Presidente da filial mexicana da Coca Cola, que saúda a presença do Banco Mundial no México, considerando a força de trabalho do povo mexicano como capital humano. Fox introduziu reformas onde os pais passam a custear os gastos das escolas.
            É apenas até aí que o filme trata da situação da educação no México. Na sequência, vai enfocar as lutas sociais dos setores ligados à educação.

As formas de luta dos educadores mexicanos:
. A ocupação dos pedágios das auto-estradas.
. As penosas marchas sobre a capital em 2005.
. A luta pela democratização da central nacional de educadores, que é uma instituição pelega, atrelada por completo ao aparelho de estado, e que reprimiu a luta dos educadores, inclusive com assassinato de lideranças, associada ao governo do PRI.
. A constituição do Movimento Magisterial Democrático, uma organização de base de mais de 100 mil pessoas, que leva a luta salarial e a luta contra a carestia, em conjunto com a população, e onde os professores são lutadores e líderes sociais, das lutas comunitárias.

A entrada da ALCA no México:
            Em 1994 a ALCA, Aliança de Livre Comércio das Américas, foi institucionalizada no México.
            A partir daí, as empresas norte-americanas e regras de mercado favoráveis aos EUA, tomaram conta do país, onde estão implantadas ainda hoje.
            Na América do Sul, em que pese as formidáveis pressões políticas dos EUA, que não raro encontravam eco naqueles que queriam entregar os seus países para o estrangeiro, a proposta da ALCA encontrou maior resistência e não passou, felizmente para todos nós.
            A realidade do México é muito diferente da brasileira, em muitos aspectos. Um exemplo é o Banco Mundial, que lá entrou em muito maior profundidade que no Brasil. Existem outras distinções ainda, sobre as quais falaremos abaixo.
            Infelizmente para o povo mexicano, o México está muito perto dos EUA, separados apenas pelo Rio Grande. A história deste país é marcada pela permanente agressão imperialista do seu vizinho do Norte.

Um pouco da história do México
. Os EUA anexou em 1845 o Texas, território integrante da República do México.
. Em 1848, os EUA declarou guerra ao México, invadindo o seu território, e ocupando a sua capital, a Cidade do México. Nesta guerra, o México perdeu a metade do seu território (Os atuais estados norte-americanos do Novo México, Arizona e Califórnia).
. Uma menção histórica importante para entender este acontecimento, é conhecer a epopéia do Batalhão de São Patrício (santo padroeiro da Irlanda), uma tropa de imigrados irlandeses recrutada pelo exército norte-americano para invadir o México em 1848, e que ao entrar em combate contra o exército mexicano, conscientizaram-se do triste papel que estavam cumprindo, amotinaram-se, e passaram-se para o lado do país agredido, onde combateram até o final da guerra. Muitos deles, feitos prisioneiros, foram enforcados como desertores pelo exército dos EUA, exatamente no momento em que uma fortaleza mexicana, caiu em mãos dos invasores. Os supliciados estavam todos alinhados lado a lado, com os olhos voltados para a fortaleza, quando foram assassinados. Ainda hoje o "Heróico Batalhão de São Patrício" é homenageado na Cidade do México, no dia do santo.   
. Nesta época, muitas lideranças políticas norte-americanas propunham que os EUA ocupassem toda a América. Quando os norte-americanos ocuparam a Cidade do México, em 1848, a intenção era incorporar todo o território mexicano aos EUA. Somente mudaram de ideia, antevendo uma guerra prolongada, quando a população camponesa mexicana, de origem índigena, começou a pegar em armas contra os invasores, oferecendo melhor resistência do que o próprio exército regular mexicano.
            Em que pese as elites mexicanas serem simpáticas aos EUA, o povo tem uma profunda consciência anti-imperialista, construída ao longo da História do país, muito superior a hoje existente no Brasil.

O campesinato mexicano:
            A força revolucionária dos camponeses, a maioria de origem índia, é uma característica histórica, ainda hoje presente no México.
            Os camponeses mexicanos lutaram durante todo um longo período do século XX, em armas, pela reforma agrária. O Partido Revolucionário Institucional (PRI), tão mencionado no filme "Granito de Arena", é de certa forma, um produto político das revoluções camponesas do México. 
            Foi o PRI que estatizou o petróleo na gestão do Presidente Cárdenas, em 1948. Este mesmo presidente, em 1936, deu asilo político à Leon Trotsky, o revolucionário russo perseguido por Josef Stalin, e que não encontrava asilo em país nenhum do mundo.
            O movimento revolucionário ainda está vivo na consciência das massas mexicanas, marcado também por uma forte tradição de luta da população indígena. Ao contrário do Brasil, o povo mexicano é majoritariamente indígena.
            As insurreições de Chiapas e Oaxaca ocorridas recentemente, são resultado da tradição revolucionária de um fortíssimo movimento camponês.
            A realidade das lutas sociais do México, do ponto de vista histórico e atual é muito diversa em relação ao Brasil. Não dá para trazer para cá, mecanicamente, as experiências de luta de lá.
 
O México de hoje:
. 68% dos trabalhadores mexicanos são precarizados, sem seguridade social.
. Os servidores estão lutando contra as privatizações, a reforma e a militarização da saúde.
. Os trabalhadores privados lutam pelo direito à aposentadoria e a seguridade social. Pelos contratos coletivos de trabalho. Contra a instituição do trabalho por hora. Contra a reforma trabalhista, que termina com a paridade no trabalho e o salário mínimo.
. As elites querem romper com o monopólio estatal e privatizar o petróleo.
. Criminalização dos movimentos sociais e muita repressão aos militantes.
. O sindicalismo é burocrático e oficialista. Apenas 10% dos trabalhadores são sindicalizados.
. O país está dominado pelo tráfico, prostituição e tráfico de armas. A militarização é a resposta burguesa, e esta alcança também os militantes sociais.
. A conjuntura eleitoral é marcada pelas fraudes.
. Existe uma crise política dos partidos de esquerda e de direita.
. A igreja segue fora das escolas e da política, e não possui canais de rádio e TV, uma consequência da revolução camponesa. A Igreja pressiona por mudar isto.   

O Banco Mundial e a política educacional do Governo Tarso Genro
            O Banco Mundial tem alguns projetos de financiamento sendo discutidos e aplicados no Rio Grande do Sul, mas não vai muito além disto.
            É difícil afirmar que a Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul seja uma marionete do Banco Mundial, como poderia ser afirmado em relação às autoridades educacionais dos últimos governos neoliberais do México.
            O Secretário Estadual da Educação, José Clóvis e sua equipe, vieram da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, onde atuaram na implantação dos ciclos nas escolas de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação (SMED) da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
            O papel político da equipe petista de José Clóvis tem que ser levado em conta para avaliar a sua atuação na SEC. Existem pontos comuns entre o projeto da SMED, e o que está sendo aplicado na SEC, que tem a ver com a concepção de escola baseada na concepção burguesa de cidadania.

Porto Alegre
26/7/2012






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Texto encaminhado pelo Profº. Ruy Guimarães (Conselho Geral do CPERS e Diretor da Esc. Pe. Reus) relacionado à sua palestra no Seminário CinEducação onde foi apresentado o filme Capitalismo uma história de amor.

Introdução ao Capital de Karl Marx
Alex Callinicos *
 
"O Capital" foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao Volume I, "revelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna". Pensadores econômicos anteriores haviam captado um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo como um todo. Coerente com o método de análise e concepção de história, Marx analisou o capitalismo não como o fim da história, como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda.
Pode ser útil para leitores não familiarizados com a "sombria ciência" da economia (como a chamava Thomas Carlyle) esboçar brevemente o objeto deste capítulo. Ele começa com a pedra angular de "O Capital", a teoria do valor-trabalho, segundo a qual as mercadorias - produtos vendidos no mercado - são trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Nós veremos como essa teoria sublinha a abordagem de Marx da exploração capitalista, pois é a mais-valia criada pelos trabalhadores a fonte dos lucros sobre os quais o capitalismo, enquanto um sistema econômico, se apoia. A competição entre capitais - sejam capitalistas individuais, companhias ou mesmo nações - cada um tentando abocanhar a maior porção da mais-valia, leva à formação de uma taxa geral de lucro e, portanto, como veremos, a uma modificação na teoria do valor-trabalho. A concorrência também dá lugar a uma tendência para uma queda na taxa de lucro, que é a causa fundamental das crises que afligem regularmente o sistema capitalista.
Trabalho e Valor
A base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve, em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém.
A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis. O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião.
Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado. São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria tem um valor de troca, "a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo". (O Capital vol. .1, doravante C1 ) Assim, o valor de troca de uma camisa poderá ser uma centena de lata de ervilhas.
Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele nós morreríamos, mas que não possui um valor de troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito pouca utilidade, mas tem um valor de troca muito elevado.
Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades humanas específicas. Se você tem fome, um livro não poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o que as mercadorias têm em comum entre si, do que suas qualidades específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas utilidades sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum, que permite a ocorrência dessa troca?
A resposta de Marx é que todas as mercadorias tem um valor, do qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria.
Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos. Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de sua forma concreta. Marx escreve: "Portanto, um valor de uso ou um bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato". (C1, p 47)
Assim, o trabalho tem um "caráter dual":
"Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso." (Cl, p. 53)
Marx descreveu esse caráter dual do trabalho como um dos "melhores pontos em meu livro" (Correspondência Seleta). Foi aqui que a teoria de Marx separou-se das teorias de Ricardo e dos economistas políticos. Marx criticou Ricardo por se concentrar quase que exclusivamente na tentativa de achar uma fórmula precisa para determinar o valor de troca das mercadorias. Eles queriam, é claro, encontrar modos de prever os preços de mercado.
"O erro de Ricardo é que ele está interessado somente na magnitude do valor... O que Ricardo não investiga é a forma específica na qual o trabalho se manifesta como o elemento comum nas mercadorias", escreveu Marx. (Teorias da Mais-Valia (doravante TMV), tomo III)
Marx não estava interessado especificamente em preços de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições levariam à sua futura transformação. Marx não queria saber em que medida o trabalho formava o valor de troca das mercadorias, mas em que forma o trabalho realizava essa função e porque sob o capitalismo a produção era de mercadorias para o mercado e não de produtos para uso direto como nas sociedades anteriores.
O caráter dual do trabalho é crucial para responder esta questão, porque o trabalho é uma atividade social e cooperativa. Isto é verdade não apenas no que toca a tipos particulares de trabalho, mas para a sociedade como um todo. O trabalho de cada indivíduo ou grupo de indivíduos é trabalho social no sentido de que ele contribui para as necessidades da sociedade. Essas necessidades exigem todo o tipo de diferentes produtos - não só vários tipos de alimentos, mas também vestuário, meios de transporte, instrumentos necessários na produção e assim por diante. Isto quer dizer que é necessário que diferentes tipos de trabalho útil sejam levados a cabo. Se cada um produzisse somente um tipo de produto então logo a sociedade entraria em colapso.
Cada sociedade, portanto, necessita de alguns meios para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades produtivas. "Essa necessidade da distribuição de trabalho social em proporções definidas não pode possivelmente ser suprimida por uma forma particular de produção social", escreve Marx (Selected Correspondence, doravante SC). Mas há uma diferença fundamental entre o capitalismo e outros modos de produção. O capitalismo não possui mecanismos através dos quais a sociedade pode decidir coletivamente o quanto de seu trabalho será direcionado a tarefas particulares.
Para entender porque é assim, devemos olhar para os modos de produção pré-capitalistas, onde o objetivo da atividade econômica era primeiramente a produção de valores de uso, e cada comunidade podia satisfazer todas ou a maior parte de suas necessidades a partir do trabalho de seus membros. Assim, na
"indústria rural patriarcal de uma família camponesa que produz para seu próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa, etc.(...) diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho que mudam com as estações do ano regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de trabalho dos membros individuais da família" (C1, 74)
A distribuição do trabalho é regulada coletivamente mesmo em sociedades pré-capitalistas onde existem exploração e classes. Assim, no feudalismo,
"o trabalho e os produtos (...) entram na engrenagem social como serviços e pagamentos in natura. (...) Portanto, como quer que se julguem as máscaras que os homens ao se defrontarem aqui, vestem, as relações sociais entre as pessoas em seus trabalhos aparecem em qualquer caso como suas próprias relações pessoais, e não são disfarçadas em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho" (C1, 74)
No caso do escravismo e do feudalismo, ambos modos de produção baseados na exploração de classe, a massa da produção está voltada inteiramente para satisfazer as necessidades dos produtores e da classe exploradora. A questão principal não é o que é produzido, mas sim a divisão do produto social entre exploradores e explorados.
No capitalismo as coisas são muito diferentes. O desenvolvimento da divisão de trabalho significa que a produção em cada local de trabalho é agora altamente especializada e separada dos outros locais de trabalho: cada produtor não pode satisfazer suas necessidades a partir de sua própria produção. Um trabalhador numa fábrica de abridores de latas não pode comer abridores de latas. Para viver ele deve vendê-los a outros. Os produtores são, portanto, interdependentes em dois sentidos: eles precisam cada um dos produtos dos outros, mas eles também precisam uns dos outros como compradores de seus produtos para que eles possam obter o dinheiro com o qual compram aquilo que precisam.
Este sistema Marx chama de produção generalizada de mercadoria. Os produtores estão ligados entre si somente pelo intercâmbio de seus produtos:
"Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os produtores".(C1,71)
Até aqui, o trabalho social concreto era diretamente trabalho social. Onde a produção era para o uso, para satisfazer algumas necessidades específicas, seu papel social era óbvio. Onde a produção é destinada para a troca, contudo, não há uma conexão necessária entre o trabalho útil realizado por um produtor particular e as necessidades da sociedade. Só podemos descobrir, por exemplo, se os produtos de uma fábrica específica atendem algumas necessidades sociais apenas depois de eles terem sido colocados à venda no mercado. Se ninguém quiser comprar esses bens, então o trabalho que os produziu não era trabalho social.
Há um segundo aspecto no qual há uma diferença entre o trabalho social e privado no capitalismo. Fabricantes de um mesmo produto irão competir pelo mesmo mercado. Seu relativo sucesso dependerá em como possam vender seus produtos por um menor preço. Isso implica em aumentar a produtividade do trabalho: "Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho exigido na produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto menor o seu valor", escreve Marx (C1, 49).
A pressão da concorrência força os produtores a adotarem métodos de produção similares aos dos seus rivais, ou se vêem forçados a rebaixarem seus preços para poderem competir. Consequentemente o valor das mercadorias é determinado não pela quantidade total de trabalho usada para produzi-las, mas sim pelo tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho "requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho" (C1, 48). Um produtor ineficiente que usa mais do que o trabalho socialmente necessário para produzir algo achará que o preço que ele obtém pela mercadoria não compensará o seu trabalho extra. Somente o trabalho socialmente necessário é trabalho social.
Trabalho social abstrato é assim não apenas um conceito, algo que existe somente nas nossas mentes. Ele domina a vida das pessoas. A menos que os produtores sejam capazes de alcançar as "condições normais de produção" eles se verão forçados a sair fora do negócio. Mas isso não é tudo. Nós vimos que o trabalho privado útil somente se torna trabalho social uma vez que seu produto tenha sido vendido. Mas para ocorrer a troca deve haver algum modo de aferir o quanto de trabalho socialmente necessário está contido em cada mercadoria. A sociedade não pode fazer isso coletivamente, porque o capitalismo é um sistema no qual os produtores relacionam-se uns com os outros somente através de seus produtos.
A solução é que uma mercadoria assuma o papel de equivalente universal, em relação ao qual os valores de todas as outras mercadorias possam ser mensuradas. Quando uma mercadoria particular fixa-se no papel de equivalente universal, ela se torna dinheiro. E, escreve Marx, "a representação da mercadoria enquanto dinheiro implica (...) que as diferentes magnitudes de valores-mercadoria (...) estão todas expressas em uma forma na qual existem como a corporificação de trabalho social" (TMV).
Assim o capitalismo é um sistema econômico no qual os produtores individuais não sabem de antemão se os seus produtos atenderão uma necessidade social. Eles podem descobrir somente tentando vender esses produtos como mercadorias no mercado. A concorrência entre produtores que procuram tomar mercados vendendo a preços mais baratos reduz os seus diferentes trabalhos a uma medida, trabalho social abstrato corporificado em dinheiro. Onde a oferta de uma mercadoria excede a sua demanda, seu preço cairá, e os produtores irão mudar para outras atividades econômicas mais lucrativas. É desse modo, e somente indiretamente, que o trabalho social é distribuído entre diferentes ramos de produção.
A análise marxista do valor está, portanto, direcionada ao que faz do capitalismo uma forma de produção social única. O seu foco é "a real estrutura interna das relações burguesas de produção". Seu propósito é mostrar que "como valores, as mercadorias são magnitudes sociais, (...) relações entre homens na sua atividade produtiva (...) Onde o trabalho é comunal as relações entre homens em sua produção social não se manifestam como "valores" de coisas"(TMV).
Assim que O Capital foi publicado, economistas burgueses objetaram que a abordagem do valor feita por Marx no começo do volume I não prova que as mercadorias são realmente trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário exigido para produzi-las. Eles têm continuado com essa objeção até os dias de hoje. Marx comentou acerca de um desses críticos:
"O desafortunado camarada não vê que, mesmo se não houvesse um capítulo sobre "valor" em meu livro a análise das reais relações que eu dou conteriam a prova e a demonstração da real relação-valor (...)
A ciência consiste precisamente em demonstrar de que maneira a lei do valor se afirma. Assim se alguém quiser "explicar" logo de início todos os fenômenos que aparentemente contradizem a lei, ele deve proporcionar a ciência antes da ciência." (SC)
Todo O Capital é uma prova da teoria do valor-trabalho. Marx considerava que o método científico correto era o de "ascender do abstrato ao concreto". Ele começa por estabelecer a teoria do valor-trabalho na forma bastante abstrata, tal como a consideramos até agora. Mas este é somente o ponto de partida de sua análise. Ele avança passo a passo para mostrar como o comportamento complexo e freqüentemente caótico da economia capitalista pode ser entendido a partir da teoria do valor-trabalho, e somente a partir dela.
Mais-valia e Exploração
O modo de produção capitalista envolve, de acordo com Marx, duas grandes separações. A primeira nós já discutimos - a separação das unidades de produção. Em outras palavras, a economia capitalista é um sistema dividido em produtores interdependentes e concorrentes entre si. Do mesmo modo importante é a divisão no interior de cada unidade de produção, entre o proprietário dos meios de produção e os produtores diretos, isto é, entre capital e trabalho assalariado.
Marx assinalou que as mercadorias podem existir sem capitalismo. Dinheiro e comércio são encontrados em sociedades pré-capitalistas. Todavia, a troca de mercadorias em tais sociedades é principalmente um meio de obter valores de uso, as coisas das quais as pessoas necessitam. A circulação de mercadorias em tais circunstâncias toma a forma de M-D-M, onde M é mercadoria e D dinheiro. Cada produtor toma sua mercadoria e vende-a por dinheiro para comprar uma outra mercadoria de outro produtor. O dinheiro é apenas o intermediário na transação.
Onde as relações de produção capitalistas prevalecem, todavia, a circulação de mercadorias toma uma outra forma, mais complexa: D-M-D1. Dinheiro é investido para produzir mercadorias que são, então, trocadas por mais dinheiro.
E mais, o D1, o dinheiro que o capitalista ou investidor consegue após a transação, é maior do que D, o dinheiro investido inicialmente. O dinheiro extra, ou lucro, Marx chamou "mais-valia". De onde vem a mais-valia?
Ricardo havia efetivamente respondido esta questão quando ele afirmou que o valor criado pelo trabalho era dividido entre salários e lucros. O trabalho seria a fonte de mais-valia. Contudo, ele foi incapaz de compreender isso claramente, porque ele entrou numa aparente contradição. Ele definiu os salários como o valor do trabalho. Como poderia ser assim, se os salários eram menos do que o valor total criado pelo trabalho, o qual segundo Ricardo é dividido entre salários e lucros?
Ricardo não confrontou esta questão porque ele tomou como dada a existência de mais-valia. A explicação de Marx acerca da existência de mais-valia baseou-se na análise da relação entre o capital e o trabalho assalariado. O que o trabalhador vende ao capitalista em troca de seu salário não é trabalho, mas força de trabalho, como ele explica:
"O valor de uso que o trabalhador tem para oferecer ao capitalista (...) não está materializado em um produto, não existe de nenhum modo separado dele; existe, portanto (...) somente como potencialidade, como sua capacidade. Torna-se realidade somente quando (...) posto em movimento pelo capital." (Grundrisse, doravante G)
A força de trabalho é uma mercadoria, e como toda mercadoria tem um valor e um valor de uso. Seu valor é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário envolvido para manter o trabalhador vivo, e para educar as crianças que irão substituí-lo.
"O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circulação, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força". (C1, 143)
O valor de uso da força de trabalho é o trabalho, e uma vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor, e além disso, o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem". (C1, 160)
Por exemplo, consideremos que em um dia de trabalho de 8 horas, o trabalho de 4 horas baste para compor o valor total do salário a ser pago pelo patrão pelas 8 horas. As demais 4 horas são embolsadas pelo patrão. Mais-valia, ou lucro, é meramente a forma peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção capitalista.
A importância desta análise da compra e venda da força de trabalho é que permite a Marx traçar as origens da mais-valia à exploração do trabalhador pelo capital. Mais ainda, ela ilumina o fato de que os padrões traçados pelos economistas clássicos não são nem naturais nem inevitáveis, mas relações de produção historicamente específicas.
Marx é capaz de realizar esta análise, ao mesmo tempo em que assume que todas as mercadorias, incluindo a força de trabalho, são vendidas pelo seu valor. Em outras palavras, o capitalista não ganha seus lucros pagando pela força de trabalho menos do que o equivalente ao tempo de trabalho socialmente necessário para reproduzi-la. A exploração não é nada anormal, é um típico resultado do funcionamento regular do modo de produção capitalista. Ela surge da diferença entre o valor criado pela força de trabalho e o valor da própria força de trabalho.
A compra e venda da força de trabalho depende da separação do trabalhador dos meios de produção. Desse modo, o trabalhador é "livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho". (C1,140) A troca entre capital e trabalho assalariado pressupõe "a distribuição dos elementos da própria produção, os fatores materiais que estão concentrados de um lado, e a força de trabalho isolada, de outro". (C2)
Marx mostra no volume I, parte 8, de O Capital como essa "distribuição" foi o resultado de um processo histórico, no qual o campesinato foi privado de sua terra, e os meios de produção - inicialmente a própria terra - tornou-se monopólio de uma classe cujo objetivo era o lucro.
Marx foi, portanto, capaz de explicar o contraste entre a aparente igualdade política de todos os cidadãos da sociedade capitalista e a desigualdade real da exploração de classe. A troca entre capital e trabalho assalariado é uma troca de equivalentes. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Tanto trabalhador e capitalista são proprietários de mercadoria: um da força de trabalho, e outro de dinheiro. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Então onde está a exploração?
Tanto quanto permaneçamos no "reino da circulação", o mercado onde todo mundo é proprietário de alguma coisa agindo de acordo com o seu interesse, a exploração é invisível. É somente quando adentramos o "local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler: No admittance except on business [não se permite a entrada a não ser a negócio]" (C1, 144) que as coisas mudam. A exploração é possível por causa da propriedade peculiar da mercadoria vendida pelo trabalhador, notadamente do fato de que seu valor de uso é o trabalho, a fonte de valor e de mais-valia. E é na produção que a força de trabalho é posta em movimento.
Mas antes de olharmos o processo de produção no capitalismo, necessitamos precisar o que é capital.
Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação de valor que atua para criar e acumular mais valor. Bem antes do capitalismo, homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de trabalho excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para consumo, sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades e luxúrias da vida. Essa riqueza não era capital, embora venha de uma fonte comum - trabalho excedente.
O primeiro indício de que uma acumulação de riqueza começou a agir como capital é a fórmula D-M-D1, a qual nos referimos antes. A fórmula denota uma transação na qual dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) as quais são então revendidas por uma soma maior de dinheiro (D1). No início tais transações eram feitas por comerciantes que, por exemplo importavam especiarias do Oriente e as revendiam no norte da Europa, onde a demanda por especiarias para preservar a carne garantia preços mais elevados. Mas o capital propriamente dito somente vem à existência quando a mercadoria comprada e vendida é a força de trabalho, pois esse trabalho assalariado é o que define as relações de produção particulares ao capitalismo.
Capital, portanto, é definido por duas coisas: o que ele é e como atua. Ele é uma acumulação de mais-valia produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode tomar a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção - e usualmente uma combinação dos três. Ele atua para assegurar acumulação posterior. Marx descreveu isso como "a auto-expansão de valor".
Capital não é necessariamente identificado com capitalistas individuais. No desenvolvimento inicial do capitalismo, indivíduos ricos jogaram um papel importante, mas isso está longe de ser o caso nos dias de hoje. De fato está na natureza do capitalismo que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma lógica econômica que transcende quaisquer indivíduos. Unidades individuais de capital as quais são usualmente chamadas de "capitais", podem ser desde uma pequena companhia a uma grande corporação, uma instituição financeira a um Estado-nação.
Para compreender a natureza peculiar do processo de produção capitalista, Marx formulou uma série de novos conceitos. Nós vimos no capítulo anterior que existem dois principais elementos em qualquer processo de trabalho - força de trabalho e os meios de produção. Sob o modo de produção capitalista ambos os elementos tomam a forma de capital. O capitalista tem que investir dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios de produção antes de poder aumentar seu investimento inicial. O dinheiro para comprar a força de trabalho Marx chamou-o Capital Variável; e o dinheiro investido para obter o prédio, equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção ele chamou Capital Constante.
A razão para esses nomes deve ser óbvia à luz da teoria do valor-trabalho. O capital variável, porque é investido a força de trabalho, a mercadoria que é a fonte de valor, expande em valor. O capital constante não. A produção capitalista envolve tanto trabalho vivo - o trabalho do operário que substitui o valor da força de trabalho e ao mesmo tempo cria mais-valia - e trabalho morto acumulado nos meios de produção. Esse trabalho morto é o trabalho acumulado pelos trabalhadores que fabricaram os meios de produção em primeiro lugar. Como a maquinaria deteriora-se gradualmente através de seu uso para produzir novas mercadorias, o seu valor é transferido para essas mercadorias.
A taxa de mais-valia foi o nome dado por Marx para a razão entre a mais-valia e o capital variável, o capital investido na força de trabalho. Ela mede a taxa de exploração, em outras palavras o grau em que o capitalista foi bem sucedido em extrair mais-valia do trabalhador. Para nos valermos de um exemplo anterior: Se o trabalho necessário é de 4 horas, e o trabalho excedente 4 horas, então a taxa de mais-valia é 4/4, ou 100%.
Existem dois modos, segundo Marx, pelos quais os capitalistas podem aumentar a taxa de mais-valia, um comum a todos os modos de produção, o outro específico do capitalismo. Esses modos correspondem respectivamente à produção de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A mais-valia absoluta é criada pelo aumento da jornada de trabalho. Assim, se os trabalhadores gastam 10 horas ao invés de 8 horas no trabalho, quando o trabalho necessário é ainda somente 4 horas, então mais 2 horas de trabalho são adicionadas. A taxa de mais-valia aumentou de 4/4 para 6/4, ou de 100% para 150%.
Algumas das páginas mais brilhantes de O Capital são aquelas nas quais Marx descreve como, especialmente nas fases iniciais da revolução industrial os capitalistas procuraram estender a jornada de trabalho tanto quanto possível, forçando até mesmo meninos de nove anos a trabalharem três turnos de doze horas nas terríveis condições das fundições de ferro. "O Capital", ele escreve, "é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando o trabalho vivo e que vive quanto mais trabalho vivo chupa". (C1, 189)
Existem todavia limites objetivos para aumento da jornada de trabalho. Se aumentada demais produz "não apenas a atrofia da força de trabalho, a qual é roubada de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade", como também "produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de trabalho" (C1, 212). O capital que depende da força de trabalho como fonte de valor, atua assim contra seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, o impiedoso aumento da jornada engendra a resistência organizada de suas vítimas. Marx relata o papel cumprido pela ação coletiva dos trabalhadores para forçarem os capitalistas britânicos a aceitar o "Factory Acts" (leis fabris limitando as horas de trabalho). "E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora". (C1, 190)
O capital pode, entretanto, aumentar a taxa de mais-valia também pela produção de mais-valia relativa. Um aumento na produtividade do trabalho levará a uma queda no valor das mercadorias produzidas. Se alguma melhoria técnica nas condições de produção barateia os bens de consumo que os trabalhadores compram com seus salários, então o valor da força de trabalho também cai. Menos trabalho social será necessário para reproduzir a força de trabalho, e a porção da jornada de trabalho dedicada ao trabalho necessário cairá, deixando mais tempo gasto criando mais-valia.
Digamos que uma maior produtividade em indústrias de consumo leve à queda pela metade do valor dos bens de consumo. Para retornarmos ao nosso exemplo, o trabalho necessário tomará agora apenas 2 horas de trabalho do total de 8 horas. Assim a taxa de mais-valia é agora 6/2. Ela aumentou de 100 para 300%.
Marx afirma que embora tanto a mais-valia absoluta como a relativa sejam encontradas em todas as fases do desenvolvimento capitalista, tende a haver uma mudança histórica em suas importâncias. Quando as relações de produção capitalistas foram introduzidas inicialmente, o foram sobre a base de métodos de produção herdados das indústrias artesanais da sociedade feudal. Esses métodos artesanais não são, de início alterados fundamentalmente: os trabalhadores são simplesmente agrupados em maiores unidades de produção e sujeitos a uma mais complexa divisão de trabalho. Novas relações de produção são enxertadas a um velho processo de trabalho:
"Dado o modo de trabalho preexistente (...) a mais-valia só pode ser criada pela ampliação do dia de trabalho, isto é, aumentando a mais-valia absoluta." (C1)
Em um modo de produção como o feudalismo, onde nem o explorador nem o explorado tem necessariamente um interesse forte em expandir as forças produtivas, mais trabalho excedente só pode ser extraído dos produtores diretos fazendo-os trabalharem mais horas. O capitalismo, contudo, introduz um novo método de aumentar a taxa de exploração, conseguindo que os trabalhadores trabalhem mais eficientemente.
"Com a produção de mais-valia relativa toda forma de produção é alterada e vem à existência uma forma de produção especificamente capitalista". (C1) O que Marx chama de manufatura, baseada sobre "a ampla base do artesanato urbano e da indústria doméstica rural" (C1,288) é suplantada pela moderna indústria de larga escala ou maquinofatura", na qual a produção é organizada em torno de sistemas de máquinas e o processo de trabalho é constantemente alterado à luz de inovações tecnológicas. "Agora surge um modo de produção específico tecnologicamente - produção capitalista - que transforma o processo de trabalho e suas condições existentes." (C1)
A mais importante conseqüência é que o processo de trabalho torna-se crescentemente socializado. A produção ocorre agora em amplas unidades organizadas em torno de máquinas, e envolvendo uma divisão de trabalho altamente complexa. "A verdadeira alavanca do processo de trabalho global é cada vez mais não o trabalhador individual, mas a força de trabalho socialmente combinada. (C1) O capitalismo portanto cria o que Marx chama de "trabalhador coletivo", do qual os indivíduos são membros agrupados pelo esforço conjunto de produzir mercadorias.
Marx enfatiza que o propósito das constantes transformações do processo de trabalho no capitalismo é de aumentar a taxa de exploração através da produção de mais-valia relativa: "igual a qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela [a maquinaria] se destina a baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si mesmo. A fim de alargar a outra parte da sua jornada de trabalho ela dá de graça para o capitalista. Ela [a maquinaria] é meio de produção de mais-valia". (C1, Tomo2, 5)
Isto ajuda a esclarecer o que nós vimos no último capítulo, que as força produtivas se desenvolvem até onde as relações de produção predominantes permitem. A peculiaridade do capitalismo é que essas relações exigem contínuos aperfeiçoamentos na produtividade do trabalho.
Concorrência, preços e lucros
A análise de Marx do processo de produção capitalista feita no primeiro volume de O Capital é feita num nível de abstração bastante elevado. Mais importante é o fato de que ele presume que as mercadorias são trocadas pelos seus valores, isto é, em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Em particular, ele exclui os efeitos da concorrência e das flutuações na oferta e procura das mercadorias.
Este procedimento era justificado porque Marx tinha como objetivo compreender as características essenciais da economia capitalista, e buscar as suas fontes na extração de mais-valia dos trabalhadores no processo de produção. O objeto de Marx ao analisar o processo capitalista de produção era o que ele chamou "capital em geral como distinto dos capitais particulares". Isso, ele reconheceu, era uma abstração, não
"uma abstração arbitrária mas uma abstração que apanha as características específicas que distinguem o capital de todas as outras formas de riqueza - ou modos pelos quais a produção social se desenvolve. Esses são os aspectos comuns a cada capital enquanto tal, ou que transformam cada soma específica de valores em capital". (G)
Os aspectos comuns "a cada capital enquanto" tal desmoronam diante do fato de que o capital é a auto-expansão de valor, que surge da exploração do trabalhador na produção. Portanto, o que distingue o capital dos outros "modos pelos quais a produção social se desenvolve" é a mais-valia enquanto "a forma econômica específica na qual trabalho excedente não pago é extraído dos produtores diretos". (C3) A análise do "capital em geral" está voltada para desvelar a base das relações capitalistas de produção.
Há, porém, um outro estágio na análise do capitalismo feita por Marx. Vimos que este modo de produção envolve duas separações: uma entre a força de trabalho e os meios de produção, a qual subjaz à troca entre trabalho assalariado e capital e assim torna possível a extração de mais-valia; a outra entre as unidades de produção, que surgem do fato de que não há , no capitalismo, um modo coletivo para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades, e por isso produtores individuais relacionam-se uns com os outros através da troca de seus produtos.
É um traço essencial do capitalismo que nenhum produtor único controla a economia. "O capital existe e só pode existir como muitos capitais", escreve Marx. (G)
A esfera dos "muitos capitais" é a da concorrência. Capitais individuais lutam entre si por mercados, procurando ganhar o controle de setores particulares. O comportamento desses capitais só pode ser entendido à luz da análise feita por Marx do "capital em geral" e especialmente do processo de produção. O que os torna capitais é a auto-expansão de valor na produção. Mas em um sentido muito importante a análise de Marx sobre a concorrência completa a do processo de produção. Para apreciar este ponto plenamente, devemos primeiro dar uma olhada nos três volumes de O Capital. O volume 1, como vimos, trata da análise do processo de produção. Mas porque o capitalismo é um sistema de produção generalizada de mercadorias, o capitalista realmente obterá a mais-valia que ele extraiu do trabalhador somente se ele consegue vender as mercadorias que corporificam esse valor. O que Marx chama de a realização do valor criado na produção - a sua transformação em dinheiro - depende da circulação de mercadorias no mercado.
O volume 2 de O Capital trata desse processo de circulação, examinando suas implicações em dois modos. Primeiro Marx considera os diferentes circuitos de capital, as sucessivas transformações de, por exemplo, capital-dinheiro em força de trabalho e meios de produção que são usados para produzir mercadorias, e então em uma soma de dinheiro maior caso essas mercadorias sejam vendidas pelo seu valor. Marx então considera o modo no qual os circuitos de capitais individuais se entrelaçam para ocasionar a reprodução da economia toda. Muito do que ele diz no volume 2 é brilhante e inovador, mas neste livro nós somente tocaremos nele quando discutirmos as crises na seção seguinte.
É no volume 3 que a análise da concorrência se torna relevante. Nele Marx trata da produção capitalista como um todo. Porque a realização do valor gerado na produção depende da circulação de mercadorias,
"o modo capitalista de produção, considerado como um todo, é unidade de processo de produção e de circulação (...) As configurações do capital, como as desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo, da forma em que elas mesmas aparecem na superfície da sociedade, na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência e na consciência costumeira dos agentes da produção" (C3, Tomo1, 21)
A importância central da concorrência é que através de sua pressão os produtores individuais são forçados a se comportarem como capitais. "A influência de capitais individuais sobre um outro tem precisamente o efeito de que eles devem conduzir-se enquanto capital". (G)
A lei do valor - a troca de mercadorias proporcionalmente ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las - depende da competição em dois aspectos. Marx distingue entre o valor de uma mercadoria e o seu preço de mercado. O valor é o trabalho social dispendido nela; o preço de mercado é a quantidade de dinheiro que ela alcançará num determinado momento. Frequentemente os dois irão diferir, porque o preço de mercado flutuará em resposta às oscilações na oferta e na procura. Marx argumenta que essas flutuações cancelarão uns aos outros no decorrer do tempo.
O valor de uma mercadoria, contudo, como vimos na primeira seção deste capítulo é o trabalho socialmente necessário envolvido em sua produção. Isso pode diferir bem da quantidade real de trabalho usado para produzi-la. Marx portanto faz distinção entre o valor individual de uma mercadoria, o tempo de trabalho nela corporificado, e seu valor social ou de mercado, o qual reflete as condições de produção predominantes naquele ramo industrial.
O valor de mercado da mercadoria é determinado pela concorrência entre os capitais naquele ramo industrial, cada um tentando ganhar uma maior parcela do mercado, cada um procurando com isso aperfeiçoar suas condições de produção e assim reduzir o valor de suas mercadorias. Usualmente o valor de mercado resultante será o valor de bens produzidos nas condições médias de produção no setor.
Os produtos de um capital individual, como resultado dessa competição serão vendidos pelo valor de mercado, mesmo se o trabalho real usado para produzir essas mercadorias, seus valores individuais, for maior ou menor que o valor de mercado.
Existe, além disso, um segundo modo no qual a concorrência interfere no funcionamento da lei do valor. Isso surge do fato de que mercadorias são o "produto do capital". Em outras palavras, o capitalista investe seu capital na produção de mercadorias, não como um fim em si, mas para produzir mais-valia. Agora, como vimos na seção anterior, a fonte de mais-valia é o capital variável, em outras palavras, os trabalhadores que o capitalista emprega em troca de salários. Mas o capitalista não emprega o dinheiro apenas para pagar esses salários; ele também tem que desembolsar dinheiro para a maquinaria, prédios, matérias-primas e em tudo o que for necessário para haver produção de mercadorias. O que conta para o capitalista não é simplesmente o retorno que ele faz sobre o capital variável, mas sim aquele sobre seu investimento total, capital variável mais o capital constante.
O reconhecimento deste fato levou Marx a distinguir entre a taxa de mais-valia e a taxa de lucro. A taxa de mais-valia é simplesmente a razão entre mais-valia e capital variável. A taxa de lucro, por outro lado é a razão entre mais-valia e capital total, capital variável mais capital constante. Do ponto de vista da compreensão do capitalismo, a taxa de mais-valia é mais importante porque a força de trabalho é a fonte de valor. Mas o que importa ao capitalista é a taxa de lucro porque ele precisa de um retorno adequado sobre o seu investimento total, e não só sobre o que ele gasta com salários.
Obviamente, as duas taxas diferirão. Tomemos um capitalista que emprega 100 trabalhadores a um salário de 50 dólares por semana. Seu gasto total com salário - seu capital variável é de 5.000 dólares por semana. Se a taxa de mais-valia é de 100%, então a mais-valia produzida cada semana também será 5.000 dólares. Este é seu lucro. (O capitalista também consegue de volta os 5.000 dólares iniciais, fazendo 10.000 dólares no todo). Mas suponha que o capitalista também tenha que gastar 2.500 dólares por semana para pagar pelos gastos do prédio, matérias-primas, etc. Este é seu capital constante. O capital total investido cada semana será de 7.500 dólares e a taxa de lucro, o retorno sobre este investimento total é a razão entre o lucro recebido (a mais-valia) e o capital total, ou 5.000 dólares dividido por 7.500 dólares - 66%
A existência de uma taxa de lucro é uma ilustração de como de acordo com Marx, a concorrência oculta as verdadeiras relações de produção. Pois é a taxa de lucro que os capitalistas usam em seus cálculos cotidianos. Como esse conceito relaciona a mais-valia ao capital total, o fato de que a força de trabalho é a fonte de mais-valia fica oculto. Parece como se o capital constante investido nos meios de produção fosse também responsável por criar valor e mais-valia. Este é um exemplo do que Marx chama fetichismo da mercadoria, o modo como o funcionamento da economia capitalista leva as pessoas a acreditarem que suas relações sociais, são, de algum modo místico, governadas por objetos físicos - valores de uso e a maquinaria usada para produzi-los. O seu efeito é justificar a existência de lucros, já que o capitalista, como proprietário dos meios de produção, parece tão merecedor quanto o trabalhador a uma parte do produto que supostamente foi produto de cooperação entre ambos.
Em relação à taxa de lucro existe, todavia, mais do que esta mistificação. Marx afirma que a taxa de lucro diferirá de indústria para indústria, dependendo das condições de produção predominantes. Para explicar isso, ele usa um outro conceito, o de composição orgânica de capital. Esta é a razão do capital constante ao capital variável. Em outras palavras ela reflete (em termos de valor) o montante de maquinário, matérias-primas e tudo que é necessário para produzir uma dada mercadoria em relação à força de trabalho necessária.
Isto é, de fato, uma medida da produtividade do trabalho. Pois quanto mais eficiente é a força de trabalho, mais o trabalhador produzirá com um maquinário, mais matérias-primas serão utilizadas pelo trabalhador, e assim por diante. Assim, quanto mais alta for a produtividade do trabalho, maior será também a composição orgânica do capital.
O que isso significa para a taxa de lucro?
Vamos examinar o caso de dois capitalistas, A e B. Suponhamos que cada um deles tenha o mesmo gasto semanal quanto aos salários - 5.000 dólares - e, seguindo o exemplo de Marx, que cada um tem a mesma taxa de mais-valia, 100%. Assim cada um recebe um lucro semanal de 5.000 dólares. Mas enquanto A investe 5.000 dólares a cada semana em capital constante , B, em um diferente setor da indústria tem que investir 10.000 dólares.
Para A, então a composição orgânica de seu capital, a razão do capital constante para o variável, é 5.000/5.000, ou 1/1 (1:1). Seu lucro é realizado com um capital total de 10.000 dólares, logo a sua taxa de lucro é 5.000/10.000 ou 50%. A composição orgânica do capital de B, por outro lado, é 10.000/5.000, ou 2/1 - duas vezes a de A. A taxa de lucro de B é 5.000/15.000, ou somente 33%.
Portanto, quanto maior a composição orgânica de capital, quanto mais maquinário e matérias-primas usadas pelos trabalhadores, mais baixa será a taxa de lucro - porque somente a força de trabalho produz mais-valia.
Aqui os capitalistas buscam ganhar o maior retorno possível para seus investimentos, a taxa de lucro mais elevada possível. Desde que o montante de maquinaria, edifícios e as demais coisas necessárias para a produção variam de indústria para indústria, em outras palavras algumas indústrias tem uma composição orgânica de capital mais elevada do que as outras, o capital tende a fluir para onde a taxa de lucro é mais alta - ou seja, para onde a composição orgânica de capital é mais baixa. Por que, afinal de contas, o capitalista B deveria continuar investindo todo seu dinheiro onde ele consegue um retorno de apenas 33%, quando ele poderia conseguir 50% se ele pusesse seu capital no mesmo setor de A?
Isto leva ao que Marx chamou de equalização da taxa de lucro. O fluxo de capital de uma indústria para outra tenderá a nivelar as diferenças da taxa de lucro. O resultado é que se forma uma taxa geral de lucro, a qual reflete a relação entre a mais-valia total produzida em toda a economia e o total do capital social investido. Capitais individuais receberão uma porção da mais-valia total extraída, em proporção não ao capital variável dispendido, mas ao capital total investido por eles.
Para ver o que isso significa, voltemos a A e B, e suponhamos que eles sejam os dois únicos capitais na economia. A mais-valia total é então de 10.000 dólares e o capital social total 25.000 dólares. A taxa geral de lucros é 10.000/25.000, ou 40%. Ela é maior do que os 33% originais de B, mas mais baixa que os 50% de A. Cada um não receberá um retorno de 40% sobre o seu capital total. A conseguirá 4.000 libras sobre as suas 10.000 libras, enquanto que B, com 15.000 libras, obterá 6.000 libras. Uma vez que cada empresa extrai 5.000 dólares em mais-valia dos seus trabalhadores, então o valor transferido entre eles é de 1.000 dólares.
Como isso acontece? Infelizmente, o nosso modelo com os capitalistas A e B, é simplificado demais para demonstrar o mecanismo que causa essa transferência de mais-valia, mas nós podemos usá-lo ainda par mostrar como esse mecanismo é posto em marcha.
O capitalista B, vendo A conseguir uma taxa de lucro mais alta que a dele, naturalmente irá querer uma parte para si, ele irá deslocar uma parte de seu capital para a indústria A. Isso levará a um aumento na produção, e esse aumento continuará até que a oferta desses bens exceda a demanda. Uma vez que existam mais desses bens à venda do que compradores, os preços desses bens cairá. Assim essas mercadorias acabarão sendo vendidas abaixo de seu valor, e a indústria A se tornará menos lucrativa.
Inversamente, uma vez que o capitalista B tenha removido uma parte de seu dinheiro da sua própria indústria, a produção de bens B cairá. Quando a oferta desses bens é menor do que a demanda, o preço dessas mercadorias aumentará. e elas serão vendidas a preços acima de seu valor. A taxa de lucro da indústria B, inicialmente baixa, aumentará.
Então, como o capital procura continuamente pelo retorno mais alto, o aumento de investimento em indústrias com baixa utilização de edifício, maquinário e matérias-primas em relação à força de trabalho, em outras palavras com uma composição orgânica de capital baixa e portanto alta taxa de lucro, tenderá a uma baixa nos preços e redução da taxa de lucro. O oposto acontecerá em indústrias com elevada composição orgânica de capital.
Como Marx escreve: "Esse incessante fluxo e influxo", através do qual o capital é constantemente redistribuído entre as diferentes esferas de produção dependendo da sua relativa lucratividade, continuará até que "ele crie uma tal razão de oferta e procura que o lucro médio nas esferas de produção se torne o mesmo, e os valores sejam, portanto convertidos em preços de produção". (C3) O equilíbrio é alcançado quando os preços de diferentes bens se situem em níveis que possibilitem a cada capital a mesma taxa de lucro.
É como se toda a mais-valia extraída dos trabalhadores, onde quer que eles possam estar empregados, fluísse para um único fundo comum, do qual os capitalistas tirassem lucros em proporção às somas de seus investimentos. A origem da mais-valia é mistificada mais ainda, já que os lucros ganhos por um capitalista nem de longe parecem possuir qualquer relação ao montante de trabalho realizado pelos seus trabalhadores. "Todos esses fenômenos", comenta Marx, "parecem contradizer a determinação do valor pelo tempo de trabalho (...) Assim tudo aparece revertido em competição". (C3)
Esta aparência é dissolvida uma vez que consideremos a relação global entre a classe capitalista e a classe trabalhadora:
"Em cada esfera particular de produção, o capitalista individual, assim como os capitalistas como um todo, tomam parte na exploração da classe trabalhadora total pela totalidade do capital (...) Pois, assumindo todas as outras condições a serem dadas, a taxa média de lucro depende da intensidade de exploração da soma total de trabalho pela soma total de capital." (C3)
"Os capitalistas se esforçam (e esse esforço é a concorrência) para dividir entre si a quantidade de trabalho não pago (...) que eles extraem da classe trabalhadora, não de acordo ao mais-trabalho produzido diretamente por um capital particular, mas correspondendo primeiramente à porção relativa do capital agregado que um capital particular representa, e em segundo lugar de acordo com o montante de mais-trabalho produzido pelo capital agregado. Os capitalistas, como irmãos hostis, dividem entre si o saque do trabalho de outras pessoas, recebendo assim, em média a mesma quantidade de trabalho não pago." (TMV)
"Aqui então temos uma prova matematicamente precisa de porque os capitalistas formam uma verdadeira sociedade maçônica diante de toda a classe trabalhadora, enquanto que há pouco amor entre eles na concorrência entre si." (C3)
Uma conseqüência da equalização da taxa de lucro é que a lei do valor deve ser modificada. "É evidente que a emergência (...) da taxa geral de lucro necessita da transformação de valores em preços de custo que são diferentes desses valores". (TMV)
Para ver porque isso é assim, voltemos aos nossos velhos amigos, os capitalistas A e B. Para chegar ao valor dos seus produtos semanais, suponhamos que o valor de todo o capital constante que eles avançam cada semana seja transferido para as mercadorias que eles produzem. O valor total de seu produto semanal é então igual a capital variável + mais-valia + capital constante. No caso de A isso significa 5.000 + 5.000 + 5.000 = 15000; no caso de B 5.000 + 5.000 + 10.000 = 20.000. Mas a equalização da taxa de lucro significa que 1.000 dólares da mais-valia foram transferidas de A para B. Então os valores produzidos devem ser modificados para levar em conta essa redistribuição. Para A, teremos então 4.000 + 5.000 + 5.000 = 14.000, e para B 6.000 + 5.000 + 10.000 = 21.000.
Marx chama esses valores convertidos que refletem a taxa geral de lucro de preços de produção. Sua formação é uma consequência inevitável do fato de que "o capital existe e só pode existir como muitos capitais". "O que a concorrência, primeiro e em uma única esfera [de produção] consegue é um único valor de mercado e um único preço de mercado derivados dos vários valores individuais de mercadoria. E é a competição de capitais em diferentes esferas que primeiro faz surgir o preço de produção, equalizando as taxas de lucro nas diferentes esferas". (C3) A conversão de valores em preços de produção é parte do mesmo processo da formação dos próprios valores. Pois é a concorrência em indústrias particulares que leva as mercadorias a serem vendidas pelo tempo de trabalho socialmente necessário em primeiro lugar.
A transformação de valores em preços de produção ao invés de negar a teoria do valor-trabalho, completa-a. Marx assinala que os desvios dos preços de produção em relação aos valores "sempre se resolvem com uma mercadoria recebendo muito pouco da mais-valia enquanto outra recebe muito, e desse modo os desvios dos valores que estão corporificados nos preços de produção compensam um ao outro". (C3) "A soma dos preços de produção de todas as mercadorias produzidas na sociedade (...) é igual à soma dos seus valores" (C3) Se nós voltarmos aos casos de A e B de dois parágrafos atrás, vemos que o valor total de seus produtos, 35.000 dólares, permanece o mesmo antes e depois da conversão de valores em preços de produção.
O chamado "problema da transformação" tem todavia causado uma enorme controvérsia, iniciada quando o volume 3 de O Capital foi publicado em 1894 e não mostra sinais de abatimento ainda hoje. Algumas das críticas são simples questões de ignorância. Por exemplo, o economista austríaco Eugen Von Boehm-Bawerk, autor de uma das primeiras discussões do problema da transformação, argumentou que Marx havia mudado de idéia depois de escrever o volume 1, e decidiu que, afinal de contas as mercadorias não eram trocadas pelos seus valores. Isso ignora o fato de que, como Engels afirmou quando ele publicou o volume 3 depois da morte de Marx, os manuscritos sobre os quais o volume 3 está baseado foram escritos por Marx em 1864 e 1865, antes de ele ter completado o esboço final do volume 1! Em todo caso, as Teorias da Mais-valia, tomadas dos até mesmo anteriores manuscritos de 1861-63, mostram que Marx, como Ricardo antes dele, era perfeitamente cônscio de que a existência da taxa geral de lucro implicava em modificar a lei do valor.
Há algumas críticas técnicas mais válidas. Marx, em seus exemplos de transformação, ignorou o fato de que o valor das mercadorias representadas pelo capital constante e variável deveria ele mesmo em preços de produção. Não seria correto, portanto, como fiz em minha própria ilustração, deixar o capital de A com 10.000 dólares e B com 15.000 dólares tanto antes como depois da transformação. Os bens consumidos pelos trabalhadores, o edifício, maquinário e as demais coisas que eles usam para produzir mercadorias terão também sido afetados pela formação de uma taxa geral de lucro, e também terão tido os seus valores transformados em preços de produção. Marx não era inconsciente desse problema, mas sentiu que não era importante o bastante para preocupar-se com ele (ver C3, 164-165, edição inglesa). Pesquisas posteriores sugerem que ele estava errado, e que uma completa transformação de valores em preços de produção tem implicações de alcance muito maior do que Marx imaginou. Porém, as soluções matemáticas ao problema que tem sido alcançadas até agora não invalidam a abordagem feita por Marx da conversão de valores em preços de produção.
Alguns economistas, incluindo inúmeros marxistas, ainda insistem que o "problema da transformação" prova que a teoria do valor-trabalho deve ser rejeitada. Seus principais argumentos para isso é que existem técnicas para determinar os preços das mercadorias que não implicam em tomar seus valores como ponto de partida. Isso é perfeitamente verdadeiro, mas é equivocado no tocante à teoria do valor-trabalho. O principal propósito da teoria não é nos fornecer uma fórmula para determinar a razão na qual as mercadorias serão trocadas umas por outras (embora ela possa determinar, uma vez que corrijamos a versão de Marx da transformação). A intenção de Marx é "revelar a lei do movimento da moderna sociedade" - desvelar as tendências do desenvolvimento histórico contidas no modo de produção capitalista. A teoria do valor trabalho é um instrumento voltado para esse fim.
O procedimento de Marx em O Capital reflete seu método geral de "ascender do abstrato ao concreto". Nos volumes 1 e 2 onde ele está analisando o "capital em geral", as características básicas das relações de produção capitalistas, ele presume que as mercadorias são trocadas pelos seus valores. Essa suposição é perfeitamente válida, porque o problema da transformação surge somente quando nós começamos considerando as diferenças entre capitais. É somente quando Marx passa a considerar a esfera de "muitos capitais", e a concorrência que ocorre entre eles, como no vol. 3, que ele é obrigado a deixar de lado a suposição de que as mercadorias são trocadas pelos seus valores. Isso é necessário se quisermos "encontrar e expor as formas concretas que surgem do processo de movimento do capital considerado como um todo". (C3, 21)
Entretanto nós só podemos fazer isso com sucesso se tivermos feito a abstração inicial, a de presumir que as mercadorias são trocadas pelos seus valores, a qual foi necessária para analisar o "capital em geral". A crítica central de Marx a Ricardo era de que ele simplesmente presumia a existência da taxa geral de lucro falhando em considerar o valor e a mais-valia em isolamento da concorrência. Seu erro foi falta do poder de abstração, incapacidade em tratar com os valores das mercadorias, a esquecer lucros, um fator que o confronta como um resultado da concorrência" (TMV).
Durante o texto temos considerado a relação entre "capital em geral" e "muitos capitais" estaticamente, voltados basicamente para como ela afeta a formação do valor. Vamos agora assumir uma visão mais dinâmica e examinar o papel jogado pela concorrência entre capitais no desenvolvimento da economia burguesa.
Acumulação e Crises
Uma das principais características do capitalismo, que o diferencia dos outros modos de produção, é a acumulação de capital. Nas sociedades escravistas ou feudais, o explorador consumia a massa de produto excedente abocanhado dos produtores diretos. A produção é ainda dominada pelo valor de uso: seu objetivo é o consumo.
Isso muda uma vez que o modo de produção capitalista de produção prevalece. A maior parte d mais-valia extorquida dos trabalhadores não é consumida. Ao invés disso, é investida na produção. É este processo, através do qual a mais-valia é reinvestida constantemente na produção, que Marx chama de "acumulação de capital".
Em uma famosa passagem no volume 1 de O Capital, Marx mostra como isto dá lugar, na classe capitalista, a uma ideologia da "abstinência", na qual a burguesia é encorajada a negar mesmo o seu próprio consumo, e poupar mais-valia tanto quanto possível para ser reinvestida:
"Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas!
"A industria fornece o material que a poupança acumula." [diz Adam Smith]
Portanto, poupai, poupai, isto é, retransformai a maior parte possível da mais-valia e do mais-produto em capital! A acumulação pela acumulação, produção pela produção, nessa fórmula a Economia Clássica expressou a vocação histórica do período burguês." (C1, T2, P 165-6)
Mas, diz Marx, o motivo para isso não é a cobiça (embora como indivíduo o capitalista deva ser bem cobiçoso). Nós não precisamos procurar por alguma propensão natural à ambição na natureza humana. O próprio sistema proporciona o motivo para os capitalistas:
"(...) na medida em que ele é capital personificado (...) não é o valor de uso a satisfação, mas o valor de troca e sua multiplicação o móvel de sua ação. (...) Como tal ele partilha com o entesourador o instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é apenas uma engrenagem." (C1, T2, 163)
Esse "mecanismo social" é a concorrência entre "muitos capitais". Nós vimos que Marx acreditava que " influência de capitais individuais sobre outros têm precisamente como efeito que eles devem conduzir-se como capital". Isto é especialmente verdadeiro na acumulação. Um capital que não reinvista mais-valia logo se verá superado pelos rivais que investem em métodos aperfeiçoados de produção e que são, portanto capazes de produzir mais barato e podem obrigar ao rebaixamento dos preços de bens do primeiro capital. Um capital que falha em acumular logo se verá em direção à bancarrota.
O processo de acumulação, justamente porque é inseparável da concorrência entre capitais não é nada tranqüilo ou uniforme. Marx argumenta que o processo de acumulação é também a reprodução das relações capitalistas de produção. O que ele quer dizer é que a sociedade não pode seguir existindo a menos que a produção seja constantemente renovada, e isso depende de os capitalistas reinvestirem o valor realizado no mercado na produção.
Marx distingue entre duas formas de reprodução. A reprodução simples ocorre quando a produção é renovada ao mesmo nível anterior - e a economia estagna ao invés de crescer. A reprodução ampliada, contudo, implica na utilização do mais-produto para aumentar a produção. Este último caso é a norma no capitalismo.
No vol. 2 de O Capital Marx analisa as condições sob as quais ocorre a reprodução simples ou ampliada. Ele mostra que aqui o valor de uso joga um papel muito importante. Para a reprodução acontecer não é suficiente haver dinheiro para comprar força de trabalho e os instrumentos de produção. Deve haver também suficientes bens de consumo para alimentar os trabalhadores, e suficiente maquinários, matérias-primas, etc., para eles colocarem em funcionamento.
Marx divide a economia em dois amplos setores, Departamentos I e II. O Departamento I da economia produz os meios de produção: fábricas produzindo maquinários, por exemplo e minas produzindo matérias-primas. O Departamento II produz bens de consumo: alimento, vestuário, etc. Marx mostra que para acontecer seja a reprodução simples ou ampliada, ambos os Departamentos devem produzir bens em certas proporções.
Mas se essas proporções entre os diferentes setores da economia são realmente alcançadas é uma questão, em grande parte, acidental. O capitalistas produzem, não para si, mas para o mercado. Não há qualquer garantia de que o que foi produzido será consumido. Se isso acontece ou não depende da existência de uma efetiva demanda para a mercadoria. Em outras palavras, não só deve ter alguém que queira comprá-la, mas esse alguém deve possuir dinheiro para comprá-la. Freqüentemente essa demanda não existe. O resultado é uma crise econômica.
Por exemplo, digamos que capitalistas no Departamento I (meios de produção) cortem os salários de seus trabalhadores para aumentar a taxa de mais-valia. Esses trabalhadores então conseguirão comprar menos produtos no Departamento II (bens de consumo). Os capitalistas do Departamento II podem reagir a esse declínio no mercado através de cortes nos gastos com novos equipamentos ou instalações. Os capitalistas do Departamento I, atingidos por essa queda na demanda para seus produtos, podem demitir trabalhadores, o que, em contrapartida, levará os capitalistas do Departamento II a fazerem o mesmo... Esse processo, que só foi realmente entendido pelos economistas burgueses a partir do aparecimento em 1936 do livro de Keynes A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, foi analisado por Marx no vol. 2 de O Capital setenta anos antes.
A possibilidade de crises econômicas é inerente à natureza mesma da mercadoria. Relembrando que a circulação simples de mercadorias toma a forma M-D-M. Uma mercadoria é vendida, e o dinheiro é usado para comprar outra mercadoria. Mas não há razão para que uma venda deva ser seguida necessariamente por uma outra compra. Tendo vendido a mercadoria o vendedor pode decidir guardar o dinheiro recebido. Existem frequentes condições nas quais capitalistas decidem fazer precisamente isso, porque a taxa de lucro é baixa demais para valer a pena um investimento.
A fonte das crises é, portanto, em última instância o caráter não planejado da produção capitalista, onde "um balanço é ele mesmo um acidente devido à natureza espontânea de sua produção", como afirma Marx. Entretanto, isso apenas mostra que as crises são possíveis. Para entender porque elas acontecem de fato temos que adentrar mais na natureza do processo de acumulação.
A explicação de Marx às crises econômicas está baseada no que ele chamou de tendência à queda da taxa de lucro, "em todos os aspectos a mais importante lei da moderna economia política, e a mais essencial para entender as mais difíceis relações", escreveu Marx(G).
A taxa de lucro tem uma tendência geral à queda sob o capitalismo, diz Marx. Não apenas em áreas específicas da economia, nem apenas em períodos particulares, mas em geral, e a razão disso, segundo ele, é o contínuo crescimento da produtividade do trabalho. Para usar suas próprias palavras: "A tendência progressiva à queda da taxa de lucro é apenas uma expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho." (C3).
Quanto mais alta a produtividade do trabalho, mais maquinário e matérias-primas sob a responsabilidade de um trabalhador individual. Em outras palavras, a quantidade de capital constante investido no prédio, equipamento e matérias-primas cresce em relação ao capital variável usado para pagar os salários dos trabalhadores. Em termos de valor, isso significa que a composição orgânica do capital é mais elevada. E nós já vimos que pelo fato de a força de trabalho ser a fonte de mais-valia, quanto mais elevada a composição orgânica de capital, menor a taxa de lucro. Assim, enquanto a produtividade do trabalho aumenta, a taxa de lucro cai.
Mas se é assim, então porque os capitalistas buscam sempre uma maior produtividade? A resposta é que, a curto prazo, ele se beneficia agindo assim, e a longo prazo ele é forçado a agir assim pela concorrência.
Relembremos que o valor individual de uma mercadoria, o trabalho real corporificado nela, pode diferir do valor de mercado, o qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria. Agora tomemos o caso de um capitalista individual que utiliza essas condições médias de produção. Suponhamos que ele introduza uma nova técnica, o que aumenta a produtividade de seus trabalhadores acima da média. O valor individual de suas mercadorias ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que é normal naquele setor. O capitalista pode agora fixar os seus preços a um nível mais baixo do que o valor social, obrigando os rivais a baixarem os seus preços, mais ainda num valor mais alto que os seus valores individuais, realizando assim um lucro extra.
Mas essa situação não permanecerá indefinidamente. Outros capitalistas adotarão a nova técnica tentando impedir que sejam passados para trás. Uma vez que essa inovação se torne a norma na indústria, o valor social de seus produtos cairá para emparelhar o valor individual das mercadorias, acabando com a vantagem do capitalista inovador.
Através da pressão da concorrência os capitais, portanto, são impelidos a adotar novas técnicas e aumentar a produtividade do trabalho. "A lei da determinação do valor pelo tempo de trabalho" atua assim "como lei coercitiva da concorrência", escreve Marx. (C1) Para o capitalista individual, a "determinação do valor como tal (...) interessa-lhe somente à medida em que ela aumenta ou abaixa o custo de produção das suas mercadorias, portanto somente à medida em que ela torna a sua posição excepcional". (C3) Cada capitalista está preocupado em aumentar a produtividade do trabalho somente como um meio de superar seus concorrentes. O efeito é forçar todos os "muitos capitais" a se conformarem à lei do valor, e a aumentarem constantemente a produtividade do trabalho.
Entretanto, o resultado de todas essas ações dos capitalistas visando aumentar a quantidade de mais-valia e superar seus concorrentes é trazer para baixo a taxa geral de lucro:
"nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, (...) porque seu método de produção está acima da média social. Mas a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um equilíbrio com o resto - o qual ocorre portanto totalmente independente da vontade do capitalista." (C3)
Essa tendência à queda da taxa de lucro é um reflexo do fato de que "além de um certo ponto, o desenvolvimento das forças de produção se torna uma barreira para o capital; e daí a relação-capital uma barreira para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho" (G).
A maior produtividade do trabalho, o que reflete o crescente poder da humanidade sobre a natureza, toma a forma, no interior das relações de produção capitalistas, de uma crescente composição orgânica de capital, e então, de uma taxa de lucro decrescente. É este processo que subjaz as crises econômicas. "A crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até então expressa-se em contradições mais amargas, crises, espasmos". (G)
A taxa decrescente de lucro é, contudo, somente o ponto de partida da análise de Marx das crises capitalistas. Ele sublinha que existem "influências contrariantes em funcionamento, que cruzam e anulam o efeito da lei geral e que lhe dá meramente a característica de uma tendência", "uma lei cuja ação absoluta é controlada, retardada, debilitada". (C3)
De fato, "as mesmas influências que produzem uma tendência à queda da taxa de lucro, também fazem surgir os contra-efeitos que dificultam, retardam e paralisam parcialmente essa queda". (C3)
Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir uma certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao introduzir a nova técnica de produção. O resultado é que a acumulação de capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está criada o que Marx chama de "superpopulação relativa". Não é, como Malthus e seus seguidores postulavam, que existem mais pessoas do que alimentos para mantê-los vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do que o capitalismo necessita, e então esse excedente é privado dos salários de que os trabalhadores dependem para a sua existência.
Consequentemente a economia capitalista gera um "exército industrial de reserva" de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os salários aumentem demais.
A força de trabalho, como qualquer mercadoria, tem um valor - o tempo de trabalho envolvido em sua produção, e um preço - a quantidade de dinheiro pago por ela. O preço da força de trabalho é o salário, e como todos os preços de mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas na oferta e na demanda de força de trabalho. A existência do exército industrial de reserva mantém a oferta da força de trabalho o suficiente para impedir que o preço da força de trabalho aumente acima do seu valor. Escreve Marx: "Os movimentos gerais dos salários são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva". (C1)
Isso não quer dizer que Marx acreditava na "lei de ferro dos salários", de acordo com a qual os salários não podem aumentar acima do mínimo fisicamente necessário para a subsistência. Como ele assinalou na Crítica do Programa de Gotha, essa pretensa "lei" é baseada na teoria populacional de Malthus, e é portanto totalmente falsa. O capitalismo, como vimos, envolve constantes aumentos na produtividade do trabalho. Isso leva a uma constante redução no valor das mercadorias incluindo a força de trabalho. O valor decrescente de bens de consumo significa que o poder de compra dos salários dos trabalhadores pode permanecer o mesmo ou até aumentar, embora o valor da força de trabalho tenha caído. Assim, em termos absolutos, as condições de vida dos trabalhadores podem melhorar. Em termos relativos porém, a sua posição tem se deteriorado, porque a taxa de mais-valia aumentou, e assim a sua parte do valor total criado por eles caiu.
A existência de um exército industrial de reserva fortalece a posição do capitalista, e torna-lhe mais fácil aumentar a taxa de mais-valia. Se a quantidade total de capital permanece a mesma, então a taxa de lucro aumentará. Assim, uma maior intensidade de exploração é uma influência contrariante à queda na taxa de lucro.
Contudo, aumentar a taxa de exploração é uma faca de dois gumes. Se isso é conseguido através do aumento da produtividade do trabalho, então crescerá a composição orgânica de capital, e uma taxa de mais-valia mais elevada significará neste caso uma taxa de lucro mais baixa. Marx acreditava que uma tal situação era típica da tendência da taxa de lucro. Ele rejeitava qualquer tentativa de explicar as crises econômicas a partir dos aumentos salariais conquistados pelos trabalhadores:
"A tendência à queda da taxa de lucro está estritamente ligada a uma tendência ao aumento da taxa de mais-valia (...) Nada é mais absurdo, por essa razão, do que explicar a queda da taxa de lucro por um aumento da taxa de salários, embora isso possa ser o caso de alguma exceção (...) A taxa de lucro não cai porque o trabalho se torna menos produtivo, mas porque se torna mais produtivo. Tanto o aumento na taxa de mais-valia como a queda na taxa de lucro não são senão formas específicas através das quais a crescente produtividade do trabalho é expressa no capitalismo." (C3)
O mesmo é verdadeiro, argumentou Marx para uma outra contratendência, o barateamento dos elementos do capital constante. Uma produtividade crescente no Departamento I, a produção dos meios de produção, significa que o valor do edifício, maquinário e dos elementos que formam o capital constante, cai:
"Com o crescimento na proporção do capital constante ao capital variável, cresce também a produtividade do trabalho, as forças produtivas trazidas à existência, com as quais o trabalho social opera. Todavia, como resultado dessa crescente produtividade do trabalho, uma parte do capital constante existente é continuamente depreciada em valor, pois seu valor depende, não do tempo de trabalho que ela custou originalmente, mas do tempo de trabalho com o qual pode ser reproduzida, e este está continuamente diminuindo tanto quanto cresce a produtividade do trabalho." (TMV)
Muitos críticos de Marx (muitos deles marxistas) tem argumentado que o fato da crescente produtividade do trabalho baratear os elementos do capital constante significa que a composição orgânica não aumenta e, por isso a taxa de lucro não cai. Mesmo se a composição técnica do capital, em outras palavras a razão física entre meios de produção e força de trabalho, cresce enormemente, argumentam eles, em termos de valor essa relação permanece a mesma porque caiu o custo para produzir os meios de produção. O que eles ignoram é que o que importa para o capitalista é o retorno que ele faz sobre seu investimento original. O dinheiro que ele gastou com a fábrica, equipamentos, etc. terá sido para comprar esses meios de produção nos seus valores originais, e não o tempo de trabalho que agora custaria para substituí-los. Ele deve conseguir um lucro adequado sobre esse investimento, e não sobre o que poderia custar-lhe agora.
Mas vamos olhar agora para as crises propriamente.
De fato é principalmente através das crises que o valor do capital constante é equiparado, não ao "tempo de trabalho que ele custou originalmente" mas com "o tempo de trabalho com o qual ele possa ser reproduzido". Crises econômicas podem ser precipitadas por uma variedade de fatores. Por exemplo, uma crise pode surgir devido a um súbito aumento no preço de algumas matérias-primas importantes - como o aumento do preço do petróleo em 1973-74. Frequentemente crises começam a partir de algum transtorno do sistema financeiro - por exemplo, a falência de um grande banco, ou um crash na bolsa de valores. Uma grande parte do volume 3 de O Capital está dedicada a explicar como o desenvolvimento do sistema de crédito, como resultado de que mais e mais dinheiro é criado pelos próprios bancos, cumpre um papel vital tanto em impedir como causar crises. Todavia, a causa subjacente às crises é sempre a tendência à queda da taxa de lucro, e as contratendências que ela traz à tona.
Nós vimos que a natureza da mercadoria é tal que M-D não leva necessariamente a D-M. O dinheiro ganho pela venda de uma mercadoria pode ser acumulado ao invés de ser usado para comprar uma outra mercadoria. Isso ocorre numa escala massiva durante crises econômicas. Vastos números de mercadorias não são vendidos.
Isso distingue o capitalismo dos modos de produção anteriores. Nas sociedades escravista e feudal as crises eram de subprodução, de escassez, nas quais não havia o suficiente para alimentar todo mundo. As crises capitalistas, entretanto, são de superprodução. Isso não quer dizer, enfatiza Marx, "que o montante de produtos é excessivo em relação às sua necessidade (...) Os limites à produção são postos pelo lucro dos capitalistas e de nenhum modo pela necessidade dos produtores". (TMV) Mercadorias demais foram produzidas para proporcionar um lucro adequado ao capitalista. Se quisermos um exemplo, não precisamos ir muito longe. Basta olharmos as montanhas de manteiga e os lagos de vinho para manter elevados os preços de bens agrícolas, enquanto mais de 700.000.000 de pessoas passam fome no terceiro mundo.
Ao mesmo tempo em que as crises são produzidas pelas contradições internas da acumulação de capital, elas são "sempre soluções momentâneas e forçosas* das contradições existentes" (C3) Isso ocorre através do que Marx chamou de depreciação ou desvalorização de capital. O colapso de mercados força muitos capitais a fecharem. Efetivamente grandes quantidades de capitais são destruídas.
A destruição de capital é, algumas vezes, literal - máquinas enferrujam, estoques de bens apodrecem ou são destruídos. Mas os preços em queda também destroem uma grande parte do valor dos meios de produção. "A destruição de capital através das crises significa a depreciação de valores, a qual impede-os de renovar seu processo de reprodução como capital na mesma escala". (TMV) É desse modo, através das crises econômicas que o valor do capital constante é equiparado, não com o tempo de trabalho originalmente gasto para produzi-lo, mas com o que agora custaria para reproduzi-lo. Dessa maneira, a composição orgânica de capital é reduzida, e a taxa de lucro se recupera.
Assim a crise serve para restaurar o capital a uma condição na qual ele pode ser empregado lucrativamente:
"A depreciação periódica de capital existente - um dos meios imanentes à produção capitalista para controlar a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulação de valor-capital através da formação de novo capital - perturba [ou desorganiza] as condições dentro das quais ocorre o processo de circulação e reprodução de capital e é, portanto, acompanhada por paralisações e crises no processo de produção." (C3)
Existem outros modos pelos quais as crises servem para contrabalançar a tendência à queda da taxa de lucro. Marx escreve que as "crises são sempre preparadas por (...) um período no qual os salários sobem em geral e a classe trabalhadora consegue uma porção maior daquela parte do produto anual que está destinado par o consumo" (C2)
Isso reflete o fato de que no pico dos crescimentos econômicos muitas mercadorias se tornam escassas porque elas são muito solicitadas por muitos capitais ansiosos por obter a maior porção possível do mercado. Isso é verdade também com a força de trabalho: tanto quanto o crescimento econômico se acelera diminui o exército industrial de reserva, e os trabalhadores, especialmente os qualificados, se tornam escassos. Isso leva a uma melhor posição de barganha dos trabalhadores permitindo-lhes um aumento no preço da força de trabalho, ocasionando um aumento na taxa de salários. Uma recessão econômica, ao forçar o desemprego, facilita aos capitalistas baixarem os salários, e impedir aqueles trabalhadores ainda empregados a aceitarem piores condições de produção.
Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista é reorganizado e reformulado para restaurar a taxa de lucro a um nível no qual ocorrerão investimentos. Nem todos os capitalistas se beneficiam igualmente deste processo. As empresas mais débeis e menos eficientes e aquelas com um maquinário muito ultrapassado serão levadas à falência. Os capitais mais fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão da recessão mais fortes. Eles são capazes de comprar terras e instrumentos de produção a melhores preços, e a forçar modificações trabalhistas no processo de trabalho que aumentarão a taxa de mais-valia.
As crises, portanto, contribuem para o processo que Marx denominou centralização e concentração de capital. A concentração ocorre quando capitais crescem em tamanho através da acumulação de mais-valia. A centralização, por outro lado, é resultado da absorção de capitais menores por capitais maiores. O próprio processo de concorrência favorece essa tendência, porque as empresas mais eficientes são capazes de sobrepassar os seus rivais e depois tomá-los. Mas as recessões econômicas aceleram o processo possibilitando aos capitais sobreviventes comprarem meios de produção baratos. Um aumento constante no tamanho de capitais individuais é, portanto, uma parte inevitável do processo de acumulação "o curso de vida característico da indústria moderna", segundo Marx, toma a forma de um ciclo, "interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação" (C1, T2, 192). A alternação de crescimento e recessão é uma característica essencial da economia capitalista. Como afirmou Trotsky, "o capitalismo vive de crises e booms, assim como os seres humanos vivem de inspiração e expiração (...) As crises e booms são inerentes ao capitalismo desde o seu nascimento e o acompanharão até o seu túmulo."
A análise da maneira como as crises surgem no interior do processo de acumulação de capital, a qual Marx desenvolve em O Capital, é conduzida a um nível de abstração bastante elevado. Ela precisa ser elaborada, como nós veremos no capítulo final, a partir de uma abordagem de como, com o desenvolvimento posterior do sistema, a centralização e a concentração de capital torna mais difícil para as crises cumprirem o seu papel de restaurar as condições de acumulação lucrativa. Todavia, O Capital fornece a base fundamental para qualquer tentativa de entender a economia capitalista.
Conclusão
O modo de produção capitalista ilustra a tese geral de Marx de que a realidade é dialética, que ela contém contradições dentro de si. Pois, de um lado a mudança tecnológica, a introdução de novos métodos de produção, é parte da existência mesma do capitalismo. A pressão da concorrência força os capitalistas a inovarem constantemente, e desse modo a ampliar as forças de produção. Por um outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo leva inevitavelmente a crises. Como Marx colocou em O Manifesto Comunista:
"A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção, constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes."
A diferença entre o capitalismo e os seus precursores surge das relações de produção:
"É claro, entretanto, que se numa formação sócio-econômica predomina não o valor de troca, mas o valor de uso do produto, o mais-trabalho é limitado por um círculo mais estreito ou mais amplo de necessidades, ao passo que não se origina nenhuma necessidade ilimitada por mais-trabalho do próprio caráter da produção". (C1, 190)
O senhor feudal por exemplo se satisfazia tanto quanto ele recebia suficiente renda de seus camponeses para sustentar a ele próprio, sua família e seus empregados, dentro do estilo ao qual estavam acostumados. O capitalista, entretanto, tem um "apetite voraz", uma "fome de lobisomem por mais-trabalho", que brota das necessidades de se igualar aos aperfeiçoamentos técnicos de seus concorrentes, ou ir à falência.
Marx foi um firme defensor do que ele chamou de "a grande influência civilizatória do capital" (G) contra aqueles que, tais como os românticos olhavam nostalgicamente para as sociedades pré-capitalistas . Ele elogiou Ricardo por "ter seus olhos unicamente para o desenvolvimento das forças produtivas" (C3). "Afirmar, como fizeram oponentes sentimentais de Ricardo, que a produção como tal não é o objeto, é esquecer que a produção por seu próprio fim não é nada senão o desenvolvimento das forças produtivas humanas, em outras palavras, o desenvolvimento da riqueza da natureza humana como um fim em si". (TMV)
Assim, o capitalismo foi historicamente progressivo. Ele conduz para
"além das barreiras nacionais e preconceitos (...), assim como de todas as tradicionais, confinadas, complacentes e incrustadas satisfações das necessidades humanas, e reproduções de velhos modos de vida. Ele é destrutivo para tudo isso, e constantemente o revoluciona, rompendo todas as barreiras que obstruem o desenvolvimento das forças produtivas, a expansão das necessidades, o desenvolvimento multi-polar da produção e a exploração e a troca de forças naturais e mentais." (G)
Ao mesmo tempo, porém a tendência à queda da taxa de lucro mostra que o capitalismo não é, como os economistas políticos acreditaram, a forma mais racional de sociedade, mas é ao invés disso um modo de produção historicamente limitado e contraditório, que aprisiona as forças de produção ao mesmo tempo em que as desenvolve. "A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital", escreve Marx (C3). "A violenta destruição de capital, não por relações externas a ele, mas antes como uma condição de sua auto-preservação, é a forma mais impressionante na qual está dada a sua partida, cedendo lugar a um estágio mais elevado de produção social" (G).
Contrário ao que muitos analistas, entre eles alguns marxistas tem dito, Marx não acreditava que o colapso do capitalismo fosse inevitável. "Crises permanentes não existem" (TMV), ele insistiu. Como vimos, as crises são sempre soluções momentâneas e forçosas das contradições existentes. Não existe crise econômica tão profunda da qual o capitalismo não possa recuperar-se, uma vez garantido que a classe trabalhadora pague o preço do desemprego, deterioração dos padrões de vida e das condições de trabalho. Se uma crise irá levar a "um estágio mais elevado de produção social" dependerá da consciência e da ação da classe trabalhadora.


*Alex Callinicos é professor na Universidade de York, autor de inúmeros livros, entre os quais se destacam: "A Vingança da História, o marxismo e as revoluções do leste europeu" (publicada no Brasil pela Ed. Jorge Zahar), "Against Postmodernism", "Making History", "Theories and Narratives", "Against Third Way" (tradução portuguesa "Contra a Terceira Via"), "Racismo e Capitalismo" (edição Revolutas), "Anticapitalist Manifesto", "The new mandarins of american power". É dirigente do Socialist
Workers Party da Grã-Bretanha.


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